ANIMA DECOLORUM EST

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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ALGUÉM ME EXPLICA?

Gostaria muito de entender a política brasileira. De verdade. Tem vários pontos que para mim permanecem obscuros, e aos quais eu precisaria de esclarecimento de alguém graduado/escolado na matéria, ou seja, respostas de quem está "perto do fogo".
Contextualizando: sou de esquerda porque primeiro sou oriundo de uma classe pobre que conseguiu erguer-se além dos limites até há pouco tempo intransponíveis e segundo porque observei atentamente todo o desenvolvimento econômico e pessoal que indivíduos da mesma classe que eu conquistavam aos poucos mas de uma maneira permanente. Por influência de família (meu irmão mais velho foi presidente de sindicato de trabalhadores, e meu pai votou no Collor) aprendi a pesar os dois lados de uma disputa e escolher por mim mesmo qual o meu caminho ideológico-político. De qualquer forma, sempre vi com simpatia os políticos que prometiam e realizavam ações em prol das classes mais baixas da sociedade. Por outro lado, nunca vi com bons olhos o excesso de doutrinação que cada partido imprime em seus correligionários – sempre busquei votar em pessoas, não em partidos. Os candidatos que conquistam meu interesse são pesquisados a fundo – pesquiso seu passado e presente, afinal ele, se ganhar o pleito, será meu representante junto a instâncias maiores.
Ponto.
As dúvidas começam aí, nas Representações.
O candidato sai às ruas cumprimentando gente, imprime e distribui santinho, prega cartaz, publica outdoor e anúncio em jornal, grava propaganda no rádio e na televisão, visita escola, pátio de fábrica e creche, faz comício e, quando é o caso, participa de debate e entrevistas em faculdades e emissoras de televisão. Seus slogans estão sempre relacionados a alguma coisa social – este distribuiu ambulâncias para cidades pequenas, aquele defendeu os garis e implementou regras mais equânimes de distribuição de dinheiro público para escolas de samba, aquela é a maior defensora dos direitos das mulheres. Um Brasil ideal é sonhado cotidianamente em época de eleição. Todos dizem que defenderão os interesses do país.
Então acontece o pleito. Uns ganham, outros guardam o sonho para dali a quatro anos.
E tudo se transforma.
Graças à internet, hoje tudo se estampa na rede social: este deputado que está investigando responsabilidades de uma mineradora teve sua campanha financiada pela empresa que controla a mesma mineradora; aquele vereador está entrando com um projeto de cessão de área de nascentes para instalação de barragem de rejeitos de outra mineradora; o senador está apressando a votação de um projeto que anistia empresas flagradas em exploração de trabalho escravo. Nada disso, claro, sai na grande mídia, que prefere fazer a “cobertura completa” do ataque terrorista na Europa ou, no caso do Brasil, dar destaque absoluto à prisão do fazendeiro que “seria” amigo da comadre do afilhado do primo da esposa do filho do ex-presidente.
Representar as pessoas que os receberam nas ruas, nem pensar. A casta de políticos se encastela em seus carros funcionais e em seus apartamentos funcionais quando estão em Brasília e, quando estão nas cidades pelas quais foram eleitos, colocam seguranças e cercas elétricas pra ninguém chegar perto.
Quando volta o período eleitoral, esta casta entra novamente no cio. Estar no meio do povo passa a ter um apelo erótico, as câmeras só captam sorrisos de prazer em estar ali, partilhando a cor local, testemunhando in loco os problemas e as necessidades de cada comunidade. A casta despe seus ternos encomendados na Alemanha e usam camisas e camisetas produzidas ali mesmo, no bairro.
É isso que não entendo.
Quer dizer que, em termos práticos, esse mise-en-scène todo é só pra ganhar o voto, porque campanha eleitoral só se vence através dele? Quer dizer que, se dinheiro de empresas financiadoras de campanha garantisse a vitória, não se veria nem um político na rua? Porque trabalhar para alguém mesmo, representar alguém mesmo, são os interesses das empresas e corporações e sindicatos patronais que são levados em conta.
O pior: este tipo de promiscuidade sempre existiu na política brasileira; só estamos vendo agora porque existem jornalistas e políticos independentes que divulgam esses descalabros na internet. Esses descalabros são tão surreais que a minha primeira reação é não acreditar neles.
Como é possível que um candidato faça um lanche com pastel e caldo de cana na área mais empobrecida da cidade e depois decreta derrubada daqueles barracos para a construção de mais um condomínio fechado? Como é possível que um candidato prometa ser o mais correto na Câmara para ser reeleito se há 28 (eu disse 28!!!) anos não tem nem um projeto em tramitação? Como é possível que um candidato a prefeito se reúna todo pimpão com artistas da cidade durante a campanha e a primeira coisa que tenta fazer quando eleito é tentar encerrar as atividades dos festivais? Como é possível que um deputado eleito faça elogios rasgados a um colega flagrantemente corrupto e depois, quando esse colega cai em desgraça, tenha a desfaçatez de negar que teceu tais comentários? Como é possível que um deputado e um senador estejam sob uma mesma suspeita mas só um é preso?

Alguém me explique, por favor. Se houver algum leitor que esteja “perto do fogo”, que me responda: como estas pessoas, que estão lucrando tanto com o suor do brasileiro humilde por não ter recebido uma educação pública adequada e do brasileiro que trabalha e paga suas dívidas e impostos com honestidade (porque os brasileiros que não são humildes não pagam suas dívidas e impostos com honestidade, não mesmo), como esses políticos conseguem dormir à noite? Será por isso que o consumo de Rivotril aumentou tanto nos últimos anos? 

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O MUNDO EM QUE VIVO

Estou com 45 anos e desde os 14, quando presenciei uma cidade inteira pedindo a volta da democracia, em plena praça Rio Branco, em Belo Horizonte, persigo e anoto tudo o que está acontecendo comigo e com o país.
Nasci e cresci numa família pobre. Meus irmãos mais velhos sempre participaram de movimentos pró-democracia e pela igualdade na distribuição da renda, militando seja no trabalho, seja dentro de casa. Fui aprendendo, concordando e guardando aquilo para mim.
Desde cedo, portanto, percebi que a classe dominante, menos de 1% da população brasileira e mundial, mandava nos outros 99% de muitas formas, poucas delas explícitas. Os privilégios que esta classe conquistou nesta parte do mundo desde 1492 - com a Bula Inter Coetera e a reação a ela, o Tratado de Tordesilhas, - além da insaciedade por mais e mais poder e dinheiro, viciaram e acomodaram esta parcela da sociedade de tal modo que hoje ela faz de tudo para que seus privilégios não sejam diminuídos ou distribuídos. E quando falo "tudo", é tudo mesmo, inclusive vender a tão endeusada "soberania nacional".
Desde muito cedo passei a chamar esta parcela da sociedade como "a minoria não-humana".

O instinto de competição faz parte do ADN humano. Ele está lá há mais de dez mil anos, quando surgiu o Australopitecus, espécie considerada o embrião do que viriam a ser mais tarde o Homo Erectus e o Homo Sapiens. Esse instinto em particular garantia àquela espécie a sua sobrevivência, o que era essencial.
Com o passar do tempo, esse Gene Competitivo ganhou outras conotações, outras aplicações, outros usos e, porque não?, abusos. Ou seja, o instinto de competição ficou mais forte e destrutivo.
Falar assim parece abstrato. Então, como se desenhasse, elenco aqui algumas "aplicações" deste conceito.
- MERCADO DE TRABALHO - O trabalho dignifica o ser humano, disso ninguém duvida. É o que é necessário para se obter sustento. É digno e nobre. Entretanto, desde o advento do comércio a relação trabalhista vem se tornando uma faca divisora de classes. O estímulo à competitividade, desde então, vem transformando trabalhadores dignos em máquinas de produzir. A Mais-Valia, método trabalhista que significa "você-tem-todos-os-deveres-e-eu-tenho-todos-os-direitos", nunca saiu de moda, por mais que a sociedade tenha se desenvolvido. E, nessa voracidade, perde aquele trabalhador que já não tem saúde e força para trabalhar, pois é apenas uma peça facilmente substituível.
- ESPORTE - Não existe prática esportiva sem um ranking. Sempre tem uma competição para colocar no alto de um pódio quem é o melhor. A superação de limites é estimulada ao máximo, não importando se o competidor terá sérias sequelas físicas e/ou psicológicas mais tarde. O que importa é que ele seja o altius, fortius, sitius da vez. Não basta saber que o esportista seja bom no que faz, o que importa é que ele esteja no topo do ranking.
- CULTURA - A qualidade (ou sua ausência) em um produto cultural é sempre medida pela quantidade de prêmios que ganhou. Saber, por exemplo, que Meryl Streep é uma das atrizes de maior qualidade em seu ofício não é suficiente; precisa ser ratificado pelos Oscars e Golden Globes que ganhou. E o lado dos que não são escolhidos? A necessidade pelo título é tamanha que leva algumas pessoas ao desespero - "não quero ser vice-Miss Universo! Vou matar a titular e pegar a coroa para mim!" é um exemplo bem recente.
- CORRUPÇÃO - Oh, sim!, a corrupção tem sua origem nessa característica genética. "Preciso ter mais poder que Fulano e todos os Sicraninhos, e vou fazer de tudo para conseguir. Tudo MESMO!" A vantagem que você leva sobre seu competidor (mesmo que ele seja imaginário) é que dá o prazer em competir. E se essa vantagem o coloca num patamar de poder que tem a chance de se perenizar, o que você faria para mantê-lo quando ele sofre ameaças? Tudo, tudo MESMO!
- IDEOLOGIA DE GÊNERO - Aparentemente tudo o que o Ser Humano faz é fruto de observação da Natureza. Dormir à noite, caçar para comer, proteger-se do frio, reproduzir, tudo isso ele aprendeu por observação. As fêmeas fazem uma coisa, os machos fazem outra, todos protegem o grupo. Portanto, que absurdo é esse do macho querer substituir a fêmea? Que ignomínia é essa da fêmea achar que tem a mesma importância do macho? Rebeldias a ser combatidas com o tacape.
- RELIGIÃO - Oh, sim! Não pense que existe apenas a Fé. Se existisse sozinha, não seriam necessários líderes. Se fosse apenas Fé, não seriam necessários os rituais. Se fosse apenas aquilo que sentimos, não seriam necessárias as materializações. O binômio Fé+Religião possui uma camada fina e transparente o separando da dominação. E aí voltamos ao postulado no verbete CORRUPÇÃO, pois a dominação religiosa possui a mesma origem.
- ECOLOGIA - Basta saber que o planeta está produzindo alimentos em escala industrial que daria para saciar a fome de todos os 7 bilhões de habitantes. DARIA. A Fome continua porque é uma instituição. Em nome dela florestas inteiras estão sendo derrubadas para abrir caminho aos grandes produtores. Eles não estão interessados na erradicação da Fome, assim como a medicina não está interessada em curar ou prevenir doenças (coisas que as terapias "alternativas" fazem há séculos) pela mesma razão: o Lucro. "Eu quero dinheiro, eu quero terras, eu quero poder! Pouco me interessa o que tem de ser feito ou quais as consequências. Farei de tudo, de tudo MESMO, para conseguir o máximo de lucro com o mínimo investimento possível. Se acontecer algum desastre, o dinheiro que despenderei será 0,0000000000000000001% do que lucrei."
- INDÚSTRIA CULTURAL - É óbvio que está separada do verbete Cultura. Esta é a Mais Valia do conhecimento, do talento, da criatividade. É a mola propulsora das ideologias dominativas: uma insinuação aqui, uma afirmação ali, e uma verdade é construída do nada. E onde está a competição? Na relação produto/consumo: consumidor entretido é consumidor dominado, vencido, vai continuar mugindo de cabeça baixa e seguindo o restante da manada. Na relação produtor/produto: o melhor é sempre aquele que apresenta uma estampa "vendável", não interessando a real e intrínseca qualidade do trabalho ao qual ele se dispõe. A lista de instrumentos? É vasta: moda, cinema, televisão, best-sellers, revistas, teatro (sim!!), internet (esta, um campo tão vasto para comentário que deixo para uma próxima postagem).

ENFIM: Há movimentos contrários. Claro. O slow food, o vegetarianismo, a valorização do pequeno produtor e do artesanato, a meditação, a fitoterapia. A volta aos valores simples. O empoderamento das mulheres. O Amor como sentimento puro. O Respeito ao próximo e ao distante. A busca da interpretação de textos antigos, considerados sagrados, sob o olhar tranquilo da história; a busca pelos reais valores transmitidos por esses textos.

A Vida merece que a consideremos isso: VIDA.