Gostaria muito de entender a
política brasileira. De verdade. Tem vários pontos que para mim permanecem
obscuros, e aos quais eu precisaria de esclarecimento de alguém graduado/escolado
na matéria, ou seja, respostas de quem está "perto do fogo".
Contextualizando: sou de esquerda
porque primeiro sou oriundo de uma classe pobre que conseguiu erguer-se além
dos limites até há pouco tempo intransponíveis e segundo porque observei atentamente
todo o desenvolvimento econômico e pessoal que indivíduos da mesma classe que
eu conquistavam aos poucos mas de uma maneira permanente. Por influência de família
(meu irmão mais velho foi presidente de sindicato de trabalhadores, e meu pai
votou no Collor) aprendi a pesar os dois lados de uma disputa e escolher por
mim mesmo qual o meu caminho ideológico-político. De qualquer forma, sempre vi
com simpatia os políticos que prometiam e realizavam ações em prol das classes
mais baixas da sociedade. Por outro lado, nunca vi com bons olhos o excesso de
doutrinação que cada partido imprime em seus correligionários – sempre busquei
votar em pessoas, não em partidos. Os candidatos que conquistam meu interesse
são pesquisados a fundo – pesquiso seu passado e presente, afinal ele, se ganhar
o pleito, será meu representante junto a instâncias maiores.
Ponto.
As dúvidas começam aí, nas
Representações.
O candidato sai às ruas
cumprimentando gente, imprime e distribui santinho, prega cartaz, publica outdoor e anúncio em jornal, grava
propaganda no rádio e na televisão, visita escola, pátio de fábrica e creche,
faz comício e, quando é o caso, participa de debate e entrevistas em faculdades
e emissoras de televisão. Seus slogans estão sempre relacionados a alguma coisa
social – este distribuiu ambulâncias para cidades pequenas, aquele defendeu os
garis e implementou regras mais equânimes de distribuição de dinheiro público
para escolas de samba, aquela é a maior defensora dos direitos das mulheres. Um
Brasil ideal é sonhado cotidianamente em época de eleição. Todos dizem que
defenderão os interesses do país.
Então acontece o pleito. Uns
ganham, outros guardam o sonho para dali a quatro anos.
E tudo se transforma.
Graças à internet, hoje tudo se
estampa na rede social: este deputado que está investigando responsabilidades
de uma mineradora teve sua campanha financiada pela empresa que controla a mesma
mineradora; aquele vereador está entrando com um projeto de cessão de área de
nascentes para instalação de barragem de rejeitos de outra mineradora; o
senador está apressando a votação de um projeto que anistia empresas flagradas
em exploração de trabalho escravo. Nada disso, claro, sai na grande mídia, que prefere
fazer a “cobertura completa” do ataque terrorista na Europa ou, no caso do
Brasil, dar destaque absoluto à prisão do fazendeiro que “seria” amigo da comadre
do afilhado do primo da esposa do filho do ex-presidente.
Representar as pessoas que os
receberam nas ruas, nem pensar. A casta de políticos se encastela em seus
carros funcionais e em seus apartamentos funcionais quando estão em Brasília e,
quando estão nas cidades pelas quais foram eleitos, colocam seguranças e cercas
elétricas pra ninguém chegar perto.
Quando volta o período eleitoral,
esta casta entra novamente no cio. Estar no meio do povo passa a ter um apelo
erótico, as câmeras só captam sorrisos de prazer em estar ali, partilhando a
cor local, testemunhando in loco os
problemas e as necessidades de cada comunidade. A casta despe seus ternos
encomendados na Alemanha e usam camisas e camisetas produzidas ali mesmo, no
bairro.
É isso que não entendo.
Quer dizer que, em termos
práticos, esse mise-en-scène todo é
só pra ganhar o voto, porque campanha eleitoral só se vence através dele? Quer dizer que, se dinheiro de empresas financiadoras de campanha garantisse a vitória, não se veria nem um político na rua? Porque trabalhar para alguém mesmo, representar alguém mesmo, são os interesses
das empresas e corporações e sindicatos patronais que são levados em conta.
O pior: este tipo de
promiscuidade sempre existiu na política brasileira; só estamos vendo agora
porque existem jornalistas e políticos independentes que divulgam esses
descalabros na internet. Esses descalabros são tão surreais que a minha
primeira reação é não acreditar neles.
Como é possível que um candidato faça
um lanche com pastel e caldo de cana na área mais empobrecida da cidade e
depois decreta derrubada daqueles barracos para a construção de mais um condomínio
fechado? Como é possível que um candidato prometa ser o mais correto na Câmara
para ser reeleito se há 28 (eu disse 28!!!) anos não tem nem um projeto em tramitação?
Como é possível que um candidato a prefeito se reúna todo pimpão com artistas
da cidade durante a campanha e a primeira coisa que tenta fazer quando eleito é tentar encerrar as
atividades dos festivais? Como é possível que um
deputado eleito faça elogios rasgados a um colega flagrantemente corrupto e
depois, quando esse colega cai em desgraça, tenha a desfaçatez de negar que
teceu tais comentários? Como é possível que um deputado e um senador estejam
sob uma mesma suspeita mas só um é preso?
Alguém me explique, por favor. Se
houver algum leitor que esteja “perto do fogo”, que me responda: como estas
pessoas, que estão lucrando tanto com o suor do brasileiro humilde por não ter
recebido uma educação pública adequada e do brasileiro que trabalha e paga suas
dívidas e impostos com honestidade (porque os brasileiros que não são humildes
não pagam suas dívidas e impostos com honestidade, não mesmo), como esses
políticos conseguem dormir à noite? Será por isso que o consumo de Rivotril
aumentou tanto nos últimos anos?
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