ANIMA DECOLORUM EST

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 14 - 09 DE FEVEREIRO DE 2016

FALTA DE NOÇÃO É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando se refere a política, direitos humanos e civilidade.

Privilégio todo mundo quer. É a expressão máxima do poder, essa coisa viciante, essa praga mais letal que a Peste Bubônica. O privilégio põe você em um degrau acima – não importa do quê, mesmo que seja em cima de uma caixa de fósforos, você estará acima. E privilégio é um doce delicioso, tão doce que provoca cegueira.

Cegueira que eu chamo, claro, de falta de noção.

Ninguém quer perder o privilégio que conquistou, mesmo que aquele que trabalhou para que o privilégio fosse conquistado esteja morto há duas ou três gerações. A coisa do privilégio entra DNA afora e se espalha, tornando natural tudo o que se faz para mantê-lo.

E uma vez privilegiado, a falta de noção ataca com força.

E que força.

É aquela coisa da empatia, já falada aqui. Quem não tem noção não tem empatia. E quem não tem empatia nem noção não está nem aí.

Funciona assim: sou privilegiado, logo não tenho que dar satisfação. Mesmo que eu esteja sendo sustentado em minha vagabundagem com dinheiro público, ninguém tem nada com isso. É privilégio, conquistei, está conquistado. Sou privilegiada, por isso não preciso pedir desculpas. Você deve tirar o seu carro da frente, sim, mesmo que a preferência seja sua – meu carro é beeeeeeem mais caro que o seu, logo, é símbolo de privilégio, logo, sou privilegiado, logo, estou acima de você, logo, você me deve respeito.

O privilégio inclusive isenta você de se informar o suficiente para um debate, uma troca de ideias, uma discussão. Basta dizer “Você não sabe de nada” ou o mais na moda “Sabe nada, inocente...” que aí você nivela o outro à falta de argumentos que é sua e acaba por vencer o debate – eis outro ponto fundamental no sem-noção: ele não perde nunca, não pode perder, porque quem perde não é privilegiado.

E o sem-noção é muito mais que simplesmente um péssimo perdedor: ele adora rir da sua cara quando ganha o tal debate. Ele não só te desqualifica: ele te humilha.

O sem-noção escolhe um canal de tevê, um jornal, uma revista e um site para obter informação, e já está de excelente tamanho. Qualquer que seja a porcaria que esses órgãos de imprensa publicam, o sem-noção vai sempre considerá-la “informação pétrea”, descartando toda e qualquer possibilidade de contestação, correção ou acareação. Tipo “a revista Spia e o jornal Fruta disseram que o macarrão é feito de carne humana, então é verdade inconteste”.

O sem-noção não quer nem saber se aquela roupa não lhe cai bem, ele vai usar porque “é o que está usando agora”, é o que a revista Coroas está mandando usar, e ponto final.

O sem noção é aquele que diz pro automóvel que está rodando à sua frente “ô, lesma, sai da minha frente!” e pro que está rodando atrás “passa por cima!” praticamente ao mesmo tempo.

O sem-noção é aquele que nunca tem tempo pra nada, mas anda com dois celulares, um tablet e um notebook para estar sempre conectado em alguma coisa que não está aqui agora. O aqui-agora pro sem-noção é uma falácia inventada pelos tibetanos petralhas comunistas para disseminar o seu veneno de que a consciência e a conscientização são as ferramentas para ser humano no século XXI, que já começou, sabia?

O sem-noção não cede lugar pra grávida ou idoso; fala alto em restaurante; não gosta de ouvir o que o outro tem a dizer – seu fluxo de “boas-histórias-que-você-tem-que-ouvir” é inesgotável; fuma em lugares fechados; fica pegando sem parar na pessoa com quem está conversando.

O sem-noção considera a sala de cinema a sala de sua própria casa: não está nem aí se o saco de pipoca ou bala que levou vai fazer muito barulho, a cada segundo verifica o celular pra ver se chegou alguma mensagem; tem aqueles que vão mais longe: atendem o telefone e conversam tranquilamente; tem os que ficam batendo os pés na poltrona da frente, sem se preocupar se tem alguém sentado nela; tem os que chegam dez minutos depois que o filme começou, quer sentar no meio da fileira e faz questão de ficar em pé enquanto não encontra um assento; e tem os que levam filhos muito pequenos e os deixam correr pelos corredores, ficar em pé nas poltronas.

O sem-noção considera o filho pequeno como o mandatário superior do planeta. Não importa se ele está gritando ou fazendo barulho para chamar atenção durante uma conversa de adultos; não importa se ele joga objetos no telhado do vizinho; não importa se ele toma o brinquedo do amigo ou irmão; não importa se ele corta os bigodes do gato da vizinha; não importa se ele rabisca no livro emprestado da biblioteca pública; não importa se ele não sabe dividir, não sabe brincar, não se importa: ele sempre vai ter razão e um pai para defendê-lo e fazer as coisas por ele.

O sem-noção se reproduz numa velocidade superior à dos coelhos. Acho mesmo que se reproduz por osmose, bipartição ou em cantos úmidos e escuros. Está tão espalhado, tão arraigado, tão enterrado no DNA que, a qualquer momento, não ter noção será a regra, e não a exceção.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 13 - 08 DE FEVEREIRO DE 2016

ANTIPATIA É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando se transforma em anti-empatia.

Empatia significa, etimologicamente, "dentro da emoção", "junto com a emoção". Psicologicamente, é uma identificação emocional da pessoa com indivíduos ou coisas percebidas. O radical da palavra empatia é pathos, termo grego que designa a qualidade que excita a emoção. Difere da simpatia ou "união das emoções", da antipatia, que é a "oposição das emoções" e da apatia, a "ausência de emoções".

Trocando em miúdos, empatia é quando você se coloca no lugar do outro, aprende uma lição e a aplica em sua vida, melhorando-a.

Nos atuais tempos modernos-e-contemporâneos, individualistas e pega-pra-capar, existe a anti-empatia. Ou seja, encontrar empatia em uma pessoa é como petróleo no pré-sal: tem que buscar beeeem fundo. Ela está lá, mas tão escondida e massacrada pela vida rápida à qual nos acostumamos que em breve ela será tão inútil como um dente ciso – e trazendo os mesmos tipos de problema. Colocar-se no lugar do outro atualmente equivale a sentir a dor do outro e não aprender nada com ela, tipo “já estou satisfeito com minhas próprias dores, obrigado”, ou “já tenho minhas dores, pra quê vou sentir a dor do outro?”

Só que esse tipo de comportamento tem uma consequência bem chata: a má educação. São jovens que deixam idosos e grávidas em pé nos ônibus, sentando-se mesmo nos lugares reservados a eles; são pessoas que passam na sua frente e solicitam atendimento da pessoa que já estava atendendo você; são pessoas que compram carros cada vez maiores e não cedem passagem nem para outros carros nem para ônibus lotados, e ainda reclamam que o governo é incompetente por não alargar as ruas para caber os seus monstros sobre rodas; são pessoas que furam fila; são pessoas que protestam contra a corrupção mas adoram “levar vantagem em tudo”, regra apregoada por aquela famosa propaganda de cigarro que destruiu a vida do locutor esportivo; são pessoas que falam que a outra está gorda, mesmo sem saber se a pessoa em questão tem auto-estima baixa ou está se esforçando em seu máximo; são pessoas que criticam as outras mesmo sem considerar que elas próprias possuem características criticáveis.

Frigir dos ovos: a piada só será engraçada enquanto eu não for o alvo dela. Ou: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Ou: o inferno são os outros.

É doloroso sentir empatia, colocar-se no lugar do outro, aprender com isso, aplicar na própria vida? Sim, demais. Só que nos tempos atuais modernos-e-contemporâneos as pessoas estão fugindo da dor o máximo possível, tentando fazer com que ela, a dor, seja erradicada de seus corpos como um vírus que se extirpa. Sabemos que isso é impossível, que a dor é tão humana quanto o prazer, mas não custa tentar, não é? Não queremos sentir dor, e sentir a dor do outro é pior ainda.

Só que essa anti-empatia é uma faca de dois legumes: deixando de sentir a dor do outro, também deixamos de sentir o prazer do outro.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 12 - 07 DE FEVEREIRO DE 2016

JOANETE É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando não é por tendência genética.

Tenho uma amiga que sempre fez muito humor com os sapatos que comprava – todos os que ela achava bonito, cool, interessante, vanguarda, eram absolutamente desconfortáveis. Ela os apelidava de “conforto”: “Olha o meu conforto novo!” e mostrava o bico fino de verniz preto que simplesmente produziu tantas bolhas nos seus pés que ela jogou o par fora.

“Tudo em nome da elegância”, muitos dizem. Vixe, como eu discordo disso. Nenhuma elegância vale um joanete ou um calo no pé. Ressalva, claro, às bailarinas e suas sapatilhas-de-ponta, mas eu rezo para que nenhuma delas tenha tendinite como outra de minhas amigas...

Aliás, foi por isso – os sapatos desconfortáveis-mas-lindos – que diminuí em muito o interesse por desfiles de moda. Alguns designers, pobres de espírito, em nome do glamour de seu fashion-shows (aliás, as palavras fashion e fashionista me dão calafrios) tornam a vida das modelos de passarela um verdadeiro inferno. Exemplo mais famoso: Naomi Campbell, desfilando para Vivienne Westwood em cima de um salto plataforma que quase duplica sua altura, despenca de bunda na passarela. A coitada teve que ser içada novamente, terminou o desfile e não voltou. Desde então não vi mais a belíssima negra desfilando para a aguada inglesa criadora do punk. Outro exemplo, menos doloroso: Gisele desfilando para a italiana Missoni, a sandália arrebenta mas quase ninguém percebe porque ela conseguiu a mágica de  manter-se no salto mesmo com restos de sandália presos ao tornozelo. E muitos outros exemplos, inclusive com vídeos no YouTube mostrando os “melhores momentos”. Para mim isso é filme de horror.

Sapato bico fino é uma coisa que me choca porque parece que o fabricante acha que o pé tem o dedão no lugar do médio. Consequência? Dá-lhe joanete, que é dolorido e deforma. Já vi gente que, além do famoso calo-desviante, ainda teve os dedos encavalados uns sobre os outros. Os exemplos são quase todos de mulheres, mas já vi terríveis joanetes em pés masculinos por causa daqueles infames bico-fino, pobres sofredores.

Minhas escolhas são sempre pelo conforto, nunca pela beleza ou pela moda. Mas isso sou eu, né?, pobre vaca profana que ousou por os cornos pra fora e acima da manada.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 11 - 06 DE FEVEREIRO DE 2016

CARNAVAL GLOBELEZA É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando a falta de senso sai do controle.

O Carnaval sempre foi uma festa em que a permissividade era vista com tolerância. Desde as Bacanais – festas gregas em homenagem a Baco, deus do vinho e, consequentemente, da embriaguez, – neste tipo de celebração originária das festas de plantio, em que se cultuavam deuses de fertilidade (Deméter, Vênus, Baco...) para que as colheitas fossem abundantes, aconteciam permissividades, digamos, beeeem interessantes. Daí, juntou-se essa ideia com a Festa dos Bobos, dia em que o Rei permitia que todos fizessem e dissessem o que queriam.

No Brasil, em plena década de 70, houve o advento (?) da “sexualidade livre”, apimentada pela coqueluche do momento, a droga sintética. Foi multiplicada por mil pela tevê e pelo cinema pornochanchada. O desbunde total ganhou os salões cariocas e, como consequência, o Brasil todo.
As tevês e revistas, em sua cobertura “jornalística” dos bailes de salão, mostravam apenas dez por cento do que realmente acontecia. E assim foi, num crescendo, até que tudo que dizia respeito ao Carnaval era sinônimo de SEXO.

E era um sexo excludente. Como na música sexista e preconceituosa do Tim Maia, “vale tudo, só não vale homem-com-homem nem mulher-com-mulher”. Quer dizer, a coisa acontecia em todas as cores e tons, só que as câmeras privilegiavam apenas o que homens brancos heteros preferiam.

E aí, eis que estreia na globo a “mulata globeleza”, símbolo máximo do que a emissora pensa da festa: completamente nua, com as pudendas cobertas de miçangas que mudavam de cor à medida em que dançava, a mulata rebolava em todos os horários da grade da emissora, de programas infantis à novela das nove.

Trocando em miúdos: não se dava muita importância ao fato de que aquelas “inocentes” vinhetas estavam hiperssexualizando o Carnaval, transformando uma festa que nada mais era do que uma preparação para a Quaresma (há que se desenvolver esse tema mais tarde, pois a Igreja se apropriou daquele período de espera entre a semeadura e a colheita, misturou com um ou outro fato sobre Jesus e deu o nome de Quaresma.) em uma irrefreável Bacanal no pior sentido do termo.

Consequências? Várias. Aumento do consumo de álcool e drogas, aumento do número de mulheres estupradas, aumento do número de roubos e assaltos, tudo ao contrário do que prega o verdadeiro espírito do Carnaval: a alegria da semeadura, a esperança da colheita, a honra aos deuses que regem a terra, essas coisas ultrapassadas.

Hoje em dia, tolerância e permissividade são um perigo à integridade física das pessoas.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 10 - 05 DE FEVEREIRO DE 2016

HOMEM DE BOTOX É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando combina peeling e cirurgia plástica.

Os homens começaram a desaprender a envelhecer. Querem aparentar vinte anos menos, quando nem a virilidade é a mesma com o passar dos anos.

Esse é um reflexo, claro, do bombardeio midiático em cima do impositivo você-tem-que-ser-jovem-para-sempre que aparece estampado nas capas de revista – sim, você não entendeu errado: são poucas as publicações voltadas para a vaidade masculina, mas esse comportamento dos machões tem muito a ver com o excesso de imposições sobre as mulheres. Algo do tipo “exija que seu bofe aparente a mesma idade que você”.

E eu não conheço nenhum resultado que não seja catastrófico.

A começar da pele do rosto. Ela fica com outra cor e textura, parecendo de cera, ou parecendo que uma cabeça de um tipo foi enxertada no corpo de outro. Os olhos ficam como se tivessem maquiagem. O cabelo parece ser peruca.

Não adianta dizer que a aparência é descansada. Não é. Fica uma sensação muito estranha, de estar olhando pra uma coisa artificial, como devem sentir os telespectadores da Ana Maria Braga hoje em dia.

E não é só o botox. A homaiada aderiu também ao silicone. Tem prótese pra tudo que é gosto e formato: arredondadas para o peitoral, alongadas para os músculos dos braços, para aumentar os glúteos, tem até aquelas para “manter” a virilidade.

Me faz lembrar a última cena do filme “A Morte lhe cai bem”, com a Meryl e a Goldie esfaceladas na calçada, mas ainda vivas. Manter-se jovem para sempre é mais uma questão psicológica que física, e louvo aqueles que conseguem ir por esse caminho.

Fico só imaginando no caixão, quando toda a carne virar pó, e no esqueleto ficar grudados aqueles bolsões de uma matéria que só se biodegradará em 400 anos. Urgh, que esquisito!


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 09 - 04 DE FEVEREIRO DE 2016

DIFAMAÇÃO EM REDE É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando não adianta desmentir.

Está muito em moda, o tal do Fundamentalismo. É um ponto de vista cosmoderno, em que uma prática da era Medieval-Renascentista recebeu repaginações assustadoramente impregnadas de tecnologia.

As bruxas começaram a ser queimadas no século XIV porque os médicos queriam o privilégio de fazer os partos no lugar das parteiras, e pouca gente confiava neles. Inventaram coisas escabrosas sobre elas e, simples assim, ficou patente e notório que as parteiras eram pessoas a ser evitadas, amaldiçoadas e, se possível, mortas. Só que a Inquisição, que se aproveitou da vibe e realizou um sem número de incrementos, estendeu a relação para os “hereges”, ou seja, aqueles que estavam começando a prestar atenção no Luteranismo, criado na época para contrapor de forma enfática os desmandos “cristãos” da igreja católica. A fórmula era a mesma. Os alvos, não. A coisa tomou tal proporção que uma briga entre vizinhos invariavelmente terminava com aquele de menor poder enjaulado, torturado e queimado como herege: bastava uma denúncia. Não se apurava nada: levavam o denunciado para uma masmorra e torturavam-no. Como sob tortura eu assumiria até o assassinato de Kennedy, ocorrido sete anos antes de eu nascer, era fácil obter confissões de heresia e bruxaria naquele período.

Eis que, ao longo dos sete séculos seguintes, a humanidade se desenvolve. O Luteranismo não só permaneceu, como deu origem a um sem número de igrejas neo-pentecostais. A liberdade de culto foi instituída por lei em alguns países, embora muitos cultos ainda hoje pelejem para ser realizados em paz, porque paz é uma palavra que poucos conhecem, seja por não receber, seja por não permitir.

Conclusão: nosso desenvolvimento foi antes tecnológico que humano.

Exemplo claro e recente: Leonardo Sakamoto. Estão querendo queimá-lo em praça pública como herege.

Fatos sobre o caso Sakamoto: 1) O jornalista é consultor das Nações Unidas para erradicação do trabalho escravo. Ele denuncia, participa de fóruns de debates nacionais e internacionais sobre o tema, milita pela causa com seu trabalho, seja dando aulas, seja em seus textos. 2) Também é debatedor de questões sociais na televisão, no net-programa Havana Connection. 3) Politicamente, se identifica com a esquerda, mas não deixa de criticar o governo só porque o governo também é de esquerda. Enfim, toma posturas e atitudes em defesa de quem realmente está precisando de políticas públicas.

Interpretações sobre o caso Sakamoto: 1) Por sua postura e sua militância política e social, o jornalista comprou briga com cachorros grandes. Donos de empresas que exploram trabalho escravo, por exemplo. Pessoas poderosas, que por muito menos mandaram assassinar a freira Dorothy Stang há alguns anos. 2) O desejo desse poder é queimar Sakamoto em praça pública. Como isso não pode ser realizado fisicamente, este poder se utiliza dos meios e instrumentos de seu vassalo mais fiel, a mídia, para fazê-lo metaforicamente. Ou seja, o jornalista-parteira se transforma em um monstro abjeto, passível de linchamento moral e desejo de linchamento físico. Tudo muito cristão e em nome de Deus.

Sakamoto tem recebido muitas ameaças por causa de seu trabalho contra a escravidão contemporânea, mas a mais eficaz retaliação vem através de “reportagens” sobre o que ele “fala”. O ataque mais recente veio de Belo Horizonte, de um jornal reconhecidamente de extrema direita, classista e preconceituoso que atua há mais de trinta anos. Sakamoto foi “entrevistado”, dizendo impropérios contra os aposentados. Por mais nanica que fosse a publicação, a reverberação via redes sociais foi tamanho tsunami. O camarada só não foi chamado de camarada. Do resto ele foi. E não adiantou a própria publicação fazer uma retratação. O escândalo já havia sido deflagrado, e qualquer pedido de desculpas não seria ouvido tão alto e claro como foi a “denúncia”. Mas isso é estratégia, eu sei. Para a justiça, o pedido de desculpas impediria qualquer ação de reparação de danos morais. Trocando em miúdos, solto o balão e me divirto se ele põe fogo numa plantação, mas se eu disser que era pra São João, tudo certo.

Só que não, né? Estamos falando de uma pessoa que está levantando lebres que governo, estados e municípios insistem em manter nas tocas, porque o dinheiro das empresas corre solto gabinetes afora. Estamos falando de uma pessoa que insiste em um assunto que todos preferem calar, de uma pessoa que pratica uma política pública que o Estado insiste em dizer que não existe.


Já passou da hora de entrarmos no século XXI, hein?


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 08 - 03 DE FEVEREIRO DE 2016

VASSOURA UNGIDA É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando custa 1mil reais cada.

Já cheguei à conclusão de que não adianta alertar contra qualquer tipo de golpe. Sempre vai ter um que vai cair como um patinho. O Golpe-da-Lotérica, por exemplo. Saiu até no horário nobre da TV aberta, que supostamente atingiria uma quantidade maior de brasileiros. Mas não teve jeito. Conheço uma pessoa que caiu no golpe achando que lucraria o triplo do que estava investindo, brigou com família pra levantar o dinheiro e amargou um prejuízo de mais de 5mil reais.

Promessa de coisa fácil e lucro indolor tem aos montes, mas é quase quinhentas vezes maior o número de vítimas. Inocentes ou preguiçosas por definição, essas pessoas se deslumbram com a facilidade de lucrar muito com pouco esforço, não adiantando nem mesmo o alerta de pessoas que já caíram. Ninguém aprende com o erro dos outros, e às vezes nem com a própria experiência.

A promessa de varrer os demônios de uma casa com uma vassoura ungida por um pastor é a mais nova modalidade de golpe desses modernos vendilhões do templo. Para comprovar, vídeo e foto nas redes sociais. O camarada se deita sobre o monte de vassouras, supostamente ungindo-as com o próprio corpo. As assessoras do pastor, saia-e-cabelo nos joelhos, dançam como se estivessem possuídas. Isso é parte do “ritual de purificação” das vassouras. Após a cerimônia, o “custo”: 1mil reais para você ter uma vassoura poderosíssima contra Satanás. E sou capaz de apostar que todas foram compradas, inclusive por pessoas que sentirão falta daquele dinheiro, seja para comida, aluguel ou remédios. E eu já vi daquela vassoura, sem ungir, obviamente, custando 20 reais nos supermercado.

Recentemente foi lançado o Sabão-em-Pó ungido, em saquinhos de provavelmente 100 gramas. Não tive coragem ou estômago para ouvir o pastor anunciando, modos-que não sei o preço, mas imagino o valor de um produto capaz de arrancar o Satanás das suas roupas decotadas.


Eu tenho muitas restrições a estas práticas. Elas estão claramente explorando a boa-fé de pessoas humildes, incultos que caem como patinhos no golpe “Me-dá-todo-seu-dinheiro-que-eu-te-dou-lote-no-céu”. Isso, sem falar na quantidade de sandices preconceituosas que os pastores espalham como se fossem palavras de Deus. Nossa, morro de medo disso.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 07 - 02 DE FEVEREIRO DE 2016

ARTE MODERNA-E-CONTEMPORÂNEA É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando cisma de fazer sentido.

Sinto muito. Não é porque eu tenha má formação ou informação. Sou estudioso e curioso da História da Arte desde os tempos de faculdade, talvez até antes disso.

Para mim, quanto mais explicação o artista cisma de dar sobre sua obra, menos ela faz sentido para mim.

Cara, já escutou/leu crítica de dança moderna? É tipo assim: “A interpenetrância dos movimentos entre os corpos em silogismo com a contemporaneidade do movimento buscando a isometria das relações corpo-ambiente em que um dá e o outro desce...” Cara, isso faz com que a coreografia perca totalmente o sentido para mim, e olha que mesmo sem crítica eu custo a ver sentido em dança moderna.

Mesma coisa teatro. Eu tenho aquela voracidade leitora típica, mas ultimamente tenho evitado ler programas de teatro antes do espetáculo. É um balde de água fria. Os caras querem que a gente compreenda a peça ANTES!

Mesma coisa literatura. Tenho enorme preguiça de prefácios. Parecem querer que a gente se sinta culpado quando não gosta do livro em questão e pare a leitura lá pelo meio.

Mesma coisa música. Se bem que música contemporânea (tipo John Cage) é apenas para fruição de iniciados. Por definição e perfil, a música contemporânea se isola num hermetismo que poucos conseguem furar. E não vem chamar funk de música contemporânea que eu te bato!

Mesma coisa artes plásticas. Abstracionismo é estilo e estética, vai saber o que estava passando na cabeça do(a) artista na hora, basta que você sinta ao estar diante dela. OK, mas eu prefiro o figurativismo, seja ele de qualquer época.

Tudo isso por uma razão muito simples. Uma obra de arte produzida hoje tem que contar uma história pra mim. Tem que ter mistério. Tem que brincar com os meus sentidos. Tem que ser moderna e contemporânea sem ser moderna-e-contemporânea.

Deu pra entender?


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 06 - 01 DE FEVEREIRO DE 2015

DONALD TRUMP É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando cisma de fazer careta.

Ele fica vermelho com muita facilidade, e a primeira impressão que me dá é a de um vilão de faroeste americano. A boca pequena e as bochechas gigantes  o tornam parecido com um baiacu, ou um leitãozinho. A franja surreal complementa e define o personagem.

Entretanto, não é lícito diminuir o cara pela aparência. Os dois George Bush que presidiram os EUA tinham (tem) o aspecto confiável de um duende do Papai Noel e olha a quantidade de coisas esquisitas que aconteceram em seus mandatos.

Só que eu assisti ao reality show que Trump apresentou no início dos anos 00. Sei do que ele é capaz para atingir audiência, do que ele é capaz para se livrar de um concorrente, sei do que ele é capaz porque tem dinheiro. Muito dinheiro.

McDonald Tramp é um homem que me choca. Não tem pudores de ser de extrema-direita, e sabe que tem muito americano que concorda com as sandices que vem proferindo nos debates.

Me choca tanto que já desisti de profetizar que Hillary Clinton será a primeira presidenta dos EUA. McDonald Tramp vai massacrá-la, e será o novo presidente de um país que já teve até ator de Hollywood na Casa Branca.


Profetizo trevas, mas será muito engraçado vê-lo tentando equilibrar a franja surreal em todos os compromissos oficiais, principalmente aqueles em lugares onde o vento é imprevisível.

O QUE ME CHOCA 05 - 31 DE JANEIRO DE 2016

VELOCIDADE 5 e QUADRADINHO de 8 SÃO COISAS QUE ME CHOCAM

Principalmente quando dá pra perceber que não faz parte de coreografia nenhuma.

Semana passada uma prima querida postou em rede o vídeo de um cara dançando. A postagem, de óbvio teor cômico, incitava os amigos a aprender a “coreografia” para aplicá-la no já depois-de-amanhã Carnaval brasileiro. A formação clássica estava lá, no primeiro grand-jetté, em que o joelho do camaradinha foi até atrás da orelha. Mas era só pra mostrar o quão flexível era o cara, pois o que se seguiu tinha tudo, menos coreografia.

Era assim: joelho-pra-cá, joelho-pra-lá, joelho-pra-cima e dois minutos de Velocidade 5; cotovelo-pra-lá, cotovelo-pra-cá, cabeça-pro-lado e três minutos de Velocidade 5. Coreografia “poderosíssima”, um primor de bom-gosto, expressividade e criatividade, flexibilidade e atitude!

Só que não.

Me lembro do clipe do Bonde das Maravilhas (ou Poderosas, ou Melindrosas, ou Desastrosas, um “osas” desses aí). Elas faziam uma coreografia muito parecida, só que ao invés da Velocidade 5 era o Quadradinho de 4 e o Quadradinho de 8.

A diferença é sutil: no Quadradinho de 4 você desenha um quadrado com a pélvis; no de 8, você faz um símbolo do infinito aquadradado, o 8 deitado, com os mesmo músculos. O virtuosismo dessa técnica é quando você consegue executá-la de cabeça para baixo, apoiado nas mãos. E as meninas do Bonde eram virtuosíssimas!

Só que não.

Eu achava que o fundo do poço da música popular brasileira era o disco de funk do É o Tchan, com as dançarinas apresentando o que viria a ser mais tarde a Velocidade 5. Infelizmente não era. A coisa foi só piorando.

Hoje em dia, não se pode mais falar que músicos da geração de Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan e Milton Nascimento são populares. Tem gente que curte funk que nunca ouviu falar deles. Vanessa da Mata, Ceumar, Rita Medeiros, a nova geração, então, nem se fala.

Trocando em miúdos: a MPB agora é funk e sertanejo-universitário. Fundo-do-Poço.


Só que não.