ANIMA DECOLORUM EST

ANIMA DECOLORUM EST
ANIMA DECOLORUM EST

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O QUE ME CHOCA 09 - 04 DE FEVEREIRO DE 2016

DIFAMAÇÃO EM REDE É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando não adianta desmentir.

Está muito em moda, o tal do Fundamentalismo. É um ponto de vista cosmoderno, em que uma prática da era Medieval-Renascentista recebeu repaginações assustadoramente impregnadas de tecnologia.

As bruxas começaram a ser queimadas no século XIV porque os médicos queriam o privilégio de fazer os partos no lugar das parteiras, e pouca gente confiava neles. Inventaram coisas escabrosas sobre elas e, simples assim, ficou patente e notório que as parteiras eram pessoas a ser evitadas, amaldiçoadas e, se possível, mortas. Só que a Inquisição, que se aproveitou da vibe e realizou um sem número de incrementos, estendeu a relação para os “hereges”, ou seja, aqueles que estavam começando a prestar atenção no Luteranismo, criado na época para contrapor de forma enfática os desmandos “cristãos” da igreja católica. A fórmula era a mesma. Os alvos, não. A coisa tomou tal proporção que uma briga entre vizinhos invariavelmente terminava com aquele de menor poder enjaulado, torturado e queimado como herege: bastava uma denúncia. Não se apurava nada: levavam o denunciado para uma masmorra e torturavam-no. Como sob tortura eu assumiria até o assassinato de Kennedy, ocorrido sete anos antes de eu nascer, era fácil obter confissões de heresia e bruxaria naquele período.

Eis que, ao longo dos sete séculos seguintes, a humanidade se desenvolve. O Luteranismo não só permaneceu, como deu origem a um sem número de igrejas neo-pentecostais. A liberdade de culto foi instituída por lei em alguns países, embora muitos cultos ainda hoje pelejem para ser realizados em paz, porque paz é uma palavra que poucos conhecem, seja por não receber, seja por não permitir.

Conclusão: nosso desenvolvimento foi antes tecnológico que humano.

Exemplo claro e recente: Leonardo Sakamoto. Estão querendo queimá-lo em praça pública como herege.

Fatos sobre o caso Sakamoto: 1) O jornalista é consultor das Nações Unidas para erradicação do trabalho escravo. Ele denuncia, participa de fóruns de debates nacionais e internacionais sobre o tema, milita pela causa com seu trabalho, seja dando aulas, seja em seus textos. 2) Também é debatedor de questões sociais na televisão, no net-programa Havana Connection. 3) Politicamente, se identifica com a esquerda, mas não deixa de criticar o governo só porque o governo também é de esquerda. Enfim, toma posturas e atitudes em defesa de quem realmente está precisando de políticas públicas.

Interpretações sobre o caso Sakamoto: 1) Por sua postura e sua militância política e social, o jornalista comprou briga com cachorros grandes. Donos de empresas que exploram trabalho escravo, por exemplo. Pessoas poderosas, que por muito menos mandaram assassinar a freira Dorothy Stang há alguns anos. 2) O desejo desse poder é queimar Sakamoto em praça pública. Como isso não pode ser realizado fisicamente, este poder se utiliza dos meios e instrumentos de seu vassalo mais fiel, a mídia, para fazê-lo metaforicamente. Ou seja, o jornalista-parteira se transforma em um monstro abjeto, passível de linchamento moral e desejo de linchamento físico. Tudo muito cristão e em nome de Deus.

Sakamoto tem recebido muitas ameaças por causa de seu trabalho contra a escravidão contemporânea, mas a mais eficaz retaliação vem através de “reportagens” sobre o que ele “fala”. O ataque mais recente veio de Belo Horizonte, de um jornal reconhecidamente de extrema direita, classista e preconceituoso que atua há mais de trinta anos. Sakamoto foi “entrevistado”, dizendo impropérios contra os aposentados. Por mais nanica que fosse a publicação, a reverberação via redes sociais foi tamanho tsunami. O camarada só não foi chamado de camarada. Do resto ele foi. E não adiantou a própria publicação fazer uma retratação. O escândalo já havia sido deflagrado, e qualquer pedido de desculpas não seria ouvido tão alto e claro como foi a “denúncia”. Mas isso é estratégia, eu sei. Para a justiça, o pedido de desculpas impediria qualquer ação de reparação de danos morais. Trocando em miúdos, solto o balão e me divirto se ele põe fogo numa plantação, mas se eu disser que era pra São João, tudo certo.

Só que não, né? Estamos falando de uma pessoa que está levantando lebres que governo, estados e municípios insistem em manter nas tocas, porque o dinheiro das empresas corre solto gabinetes afora. Estamos falando de uma pessoa que insiste em um assunto que todos preferem calar, de uma pessoa que pratica uma política pública que o Estado insiste em dizer que não existe.


Já passou da hora de entrarmos no século XXI, hein?


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Biiiip. No momento não posso atender. Deixe seu recado após o sinal. Biiiip.