DIFAMAÇÃO EM REDE É UMA COISA QUE ME CHOCA
Principalmente quando não adianta
desmentir.
Está muito em moda, o tal do
Fundamentalismo. É um ponto de vista cosmoderno, em que uma prática da era
Medieval-Renascentista recebeu repaginações assustadoramente impregnadas de
tecnologia.
As bruxas começaram a ser
queimadas no século XIV porque os médicos queriam o privilégio de fazer os
partos no lugar das parteiras, e pouca gente confiava neles. Inventaram coisas
escabrosas sobre elas e, simples assim, ficou patente e notório que as
parteiras eram pessoas a ser evitadas, amaldiçoadas e, se possível, mortas. Só
que a Inquisição, que se aproveitou da vibe
e realizou um sem número de incrementos, estendeu a relação para os
“hereges”, ou seja, aqueles que estavam começando a prestar atenção no
Luteranismo, criado na época para contrapor de forma enfática os desmandos
“cristãos” da igreja católica. A fórmula era a mesma. Os alvos, não. A coisa
tomou tal proporção que uma briga entre vizinhos invariavelmente terminava com
aquele de menor poder enjaulado, torturado e queimado como herege: bastava uma
denúncia. Não se apurava nada: levavam o denunciado para uma masmorra e torturavam-no.
Como sob tortura eu assumiria até o assassinato de Kennedy, ocorrido sete anos
antes de eu nascer, era fácil obter confissões de heresia e bruxaria naquele
período.
Eis que, ao longo dos sete
séculos seguintes, a humanidade se desenvolve. O Luteranismo não só permaneceu,
como deu origem a um sem número de igrejas neo-pentecostais. A liberdade de
culto foi instituída por lei em alguns países, embora muitos cultos ainda hoje
pelejem para ser realizados em paz, porque paz é uma palavra que poucos
conhecem, seja por não receber, seja por não permitir.
Conclusão: nosso desenvolvimento
foi antes tecnológico que humano.
Exemplo claro e recente: Leonardo
Sakamoto. Estão querendo queimá-lo em praça pública como herege.
Fatos sobre o caso Sakamoto: 1) O
jornalista é consultor das Nações Unidas para erradicação do trabalho escravo.
Ele denuncia, participa de fóruns de debates nacionais e internacionais sobre o
tema, milita pela causa com seu trabalho, seja dando aulas, seja em seus
textos. 2) Também é debatedor de questões sociais na televisão, no net-programa
Havana Connection. 3) Politicamente, se identifica com a esquerda, mas não
deixa de criticar o governo só porque o governo também é de esquerda. Enfim,
toma posturas e atitudes em defesa de quem realmente está precisando de
políticas públicas.
Interpretações sobre o caso
Sakamoto: 1) Por sua postura e sua militância política e social, o jornalista
comprou briga com cachorros grandes. Donos de empresas que exploram trabalho
escravo, por exemplo. Pessoas poderosas, que por muito menos mandaram
assassinar a freira Dorothy Stang há alguns anos. 2) O desejo desse poder é
queimar Sakamoto em praça pública. Como isso não pode ser realizado
fisicamente, este poder se utiliza dos meios e instrumentos de seu vassalo mais
fiel, a mídia, para fazê-lo metaforicamente. Ou seja, o jornalista-parteira se
transforma em um monstro abjeto, passível de linchamento moral e desejo de
linchamento físico. Tudo muito cristão e em nome de Deus.
Sakamoto tem recebido muitas
ameaças por causa de seu trabalho contra a escravidão contemporânea, mas a mais
eficaz retaliação vem através de “reportagens” sobre o que ele “fala”. O ataque
mais recente veio de Belo Horizonte, de um jornal reconhecidamente de extrema
direita, classista e preconceituoso que atua há mais de trinta anos. Sakamoto
foi “entrevistado”, dizendo impropérios contra os aposentados. Por mais nanica
que fosse a publicação, a reverberação via redes sociais foi tamanho tsunami. O
camarada só não foi chamado de camarada. Do resto ele foi. E não adiantou a
própria publicação fazer uma retratação. O escândalo já havia sido deflagrado,
e qualquer pedido de desculpas não seria ouvido tão alto e claro como foi a “denúncia”.
Mas isso é estratégia, eu sei. Para a justiça, o pedido de desculpas impediria
qualquer ação de reparação de danos morais. Trocando em miúdos, solto o balão e
me divirto se ele põe fogo numa plantação, mas se eu disser que era pra São
João, tudo certo.
Só que não, né? Estamos falando
de uma pessoa que está levantando lebres que governo, estados e municípios
insistem em manter nas tocas, porque o dinheiro das empresas corre solto gabinetes
afora. Estamos falando de uma pessoa que insiste em um assunto que todos
preferem calar, de uma pessoa que pratica uma política pública que o Estado insiste
em dizer que não existe.
Já passou da hora de entrarmos no
século XXI, hein?
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