A gente evoluiu muito pouco desde a Idade das Cavernas. Acredito que o que nos separa daqueles camaradas que literalmente matavam touros à unha é apenas a falta de pêlos. Nós ainda somos os mesmos que pagavam um óbolo para ver cristãos serem devorados por leões, para ver gladiadores lutando até à morte. Nossa assim chamada evolução é apenas tecnológica.
Ou seja, fazemos as mesmas coisas de sempre, só que desta vez não precisamos ir a estádios e anfiteatros: basta ligar a tevê, e a catarse está ali.
Não vai adiantar nenhum filósofo humanista argumentar o contrário: a violência está em nosso DNA. Ela faz parte daquele conjunto de características genéticas herdadas de nossos antepassados australopitecus, junto com as sobrancelhas e o apêndice. Ela também é conseqüência daquela outra característica genética, a competição: quem tem mais poder conquista a fêmea mais parideira. E o poder, para ser mantido, usa de todos os meios.
Quero lembrar que há bem pouco tempo queimávamos, enforcávamos e decapitávamos pessoas em praça pública. Se havia a coragem de se fazer isso em público, imagine-se o que não acontecia nos porões, onde o decoro devia impedir de exibir-se o tratamento que os suspeitos de bruxaria ou conspiração sofriam para confessar. Não faz muito tempo aqui, no Brasil, mais precisamente em duas cidades de Minas Gerais, usamos de curiosos meios para demonstrar poder sobre as pessoas: um camarada foi arrastado por cavalos a galope pelas ruas de pedra até que apenas pedaços das pernas ficassem pendurados nas cordas. O outro foi amarrado a quatro cavalos, e cada um saiu em disparada em uma direção diferente. O chefe destes dois foi enforcado, esquartejado e exposto em praça pública, para exibição de sua "ignomínia". As pessoas comuns - gente como nós - passavam em frente e ainda cuspiam.
Um dia, alguém escreveu um livro, divulgou idéias, formou um grupo de estudo, sei lá, e levantou a hipótese de que esta barbárie era uma coisa má, errada: alguém esticou o pescoço acima da multidão e começou a perceber que devíamos evoluir também nessa parte. Outro inventou a Era de Aquário, e se baseou no movimento dos astros - matemática complicada porque superior à compreensão humana - para corroborar a hipótese do camarada.
Com esses movimentos, a violência, tão comum e corriqueira na sociedade, viu-se acuada ao proibido, ao punível, e foi obrigada a atuar nos planos sub-reptícios, no escuro escondido porque, sendo parte do DNA humano, não tinha escapatória senão existir.
E, com o aprendizado de alguns milênios de barbárie, a violência foi se sofisticando. O gama de opções e níveis de brutalidade hoje disponível impressiona, e olha que a violência ainda está em processo de sofisticação: a cada dia nos deparamos com novas idéias surgidas lá no fundo, naquela nano-minúscula usina chamada DNA.
A nova modalidade é fingir que não está acontecendo. Uma menina passa seis dias sendo estuprada numa cela de trinta homens, e a atenção do país todo se volta pro cara que, numa explosão de stress (a violência tem de sair por algum poro), joga a filha pela janela. Há alguma diferença? De barbárie, não. De poder, sim. A flying girl era de classe média alta em São Paulo. A mini-gradisca mora no interior do Pará e precisa comer muito feijão pra chegar ao nível da classe Z. Fingimos que a mini-gradisca não existe, porque a flying girl é mais importante.
E o filme Tropa de Elite faz sucesso porque fingimos que aquilo é só um filme pra subir um pouco nossa adrenalina. E fingimos que era aquilo mesmo que aqueles tenentes deviam fazer: colocar os cristãos pra gente ver os leões comerem. E aí esperamos o jornal acabar pra assistir a novela.
E aí? Vamos dar a outra face? Vamos nos ving... ops, quer dizer, fazer justiça? Prender os soldados romanos que nos proporcionaram o espetáculo vendido a meio óbolo, patrocinado pelas Casas A e pelas Drogarias B? Isso vai fazer a violência e o desprezo pela criatura humana sair de seus DNA's? Não, não vai, e o debate deixo no ar, pois esse tipo de discussão vai muito além de um modesto blog.
A selva deixou de ser vegetal: agora é de concreto. A luta diária passa muito longe de ser apenas por comida e o conforto do lar: agora precisamos rezar para chegar vivos ao fim acolhedor do dia.
É triste? É. Mas não está muito diferente do que aconteceu há... alguns milhares de anos atrás.
Falar em primitivo: que babado esse da São Paulo Fashion Week, hein? Engraçado, quando a Lílian Pacce fala dos eventos estrangeiros, é Semana de Moda. Aqui, em português, é Fashion Week! Quaquaraquaquá!!!
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