ANIMA DECOLORUM EST

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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Fui à Pérsia

Não, não morri. Os boatos são infundados. Só consegui escapar dos seqüestradores-relâmpago, que me mantiveram em cárcere privado por noventa dias. Nem o resgate milionário pago pela Nike chegou a sensibilizar meus algozes. A verdade é que eles se divertiram muito comigo. Virei Sheherazade do cativeiro, contei tanta história, inventei tanto caso que o tempo foi passando sem a gente nem perceber.
Mentira.
Não, não morri. Os boatos são infundados. Estive em expedição arqueológica no Iraque, outrora chamado de Pérsia, tentando decifrar através de sinais antigos como uma civilização consegue passar milênios para produzir Bin Laden e Saddam. Não que as outras não fossem igualmente capazes, mas existe a famosa desculpa de que a civilização-berço, a grega, era democrática até em suas piores formas de corrupção.
Mentira.
Não, não morri. Os boatos são infundados. Estive pasmo e mudo diante do grande caos que a economia mundial se envolveu. Finalmente, após sessenta e tantos anos, o castelo de cartas de Bretton-Woods começou a cair. O fenômeno foi preconizado pelo próprio Keynes, que ajudou a montar o acordo. Pausa. Estou pasmo e mudo diante do show de terror da televisão, e assistimos uma menina ser torturada por mais de uma semana, e quando finalmente os paus-de-bosta perderam a paciência, a menina foi simplesmente assassinada. E o magro dinheiro do contribuinte médio atochando o rabo dos tropeiros de elite para eles exibirem os uniformes diferenciados e para sustentar numa cela isolada um cara que visivelmente é desequilibrado mental, ou machão convicto, o que dá no mesmo, que simplesmente não consegue aceitar uma rejeição. Pausa. Estou pasmo e mudo da maquiagem de luxo que a China exibiu para o mundo, mostrando o quanto é poderosa e avisando: "não se metam onde não são chamados". O ninho do pássaro é só o maior símbolo disso. Pausa. Estou pasmo e mudo diante do Canal E!, de Enterre-aqui-seu-cérebro. Agora o glamour é a auto-destruição. Só é interessante do ponto de vista midiático aquele que exibe seus defeitos, seus piores demônios, para uma platéia ensandecida. E aí, evoluímos? Não, caríssimos, ainda somos aqueles que entravam em catarse de êxtase quando íamos para a praça principal ver bandidos serem enforcados e bruxas queimadas.
Agora Amy Winehouse é santa. Caraca! Pausa. Estou pasmo e mudo com as eleições municipais. Marta Suplicy de volta? Muito justo, não é, São Paulo é a terra do eterno retorno! Em Belo Horizonte, a luta entre o demo e o cuisa-ruim! Vou me mudar pro Rio, com Gabeira na prefeitura aquela cidade vai ser aquele oba-oba. Pausa. Pausa! Pausa!! Pausa!!!
Me dêem um tempo, tá? As mensagens edificantes que recebo pela internet estão cada vez menos consistentes. Quando alguém aconselha "aproveite a vida", o cara sai estuprando meninas e meninos. Quando aparece "pense mais em você", neguinho ou fecha o cruzamento e não está nem aí pro buzinaço, ou mete a mão na buzina porque o imbecil da frente fechou o cruzamento. Quando aparece "cuide do seu planeta" neguinho pensa "ué, eu pago taxa de recolhimento de lixo pra quê?". E por aí vai.
Cansei de ficar revoltado. A partir de hoje só vou publicar ficção. Vou alienar um pouco esse blog, ando de saco cheio de reclamar. Vou procurar enfeitar mais a vida, a minha e a dos outros.
Adeus, vou voltar pra minha pesquisa na Pérsia.

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