ANIMA DECOLORUM EST

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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O QUE ME CHOCA 04 - 30 DE JANEIRO DE 2016

HIPOCRISIA DA CLASSE MÉDIA É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando se trata de marcar território.

A Classe Média, na Grã-Bretanha ainda respirando ares vitorianos, era execrada como se fosse formada só por insetos. Basta lembrar das caras & bocas de Dame Maggie Smith em Downton Abbey ao se referir a membros dela. Para os membros da aristocracia inglesa do início do Século XX, as classes sociais deveriam ser apenas duas: os vassalos e os senhores. Não deveria nunca ter surgido uma classe que não era nem uma coisa nem outra, e o fato não só dela existir como se expandir era visto com olhos absolutamente enojados, pois significava que a aristocracia, enquanto lugar reservado apenas para privilegiados, estava em franco declínio. Esse, inclusive, é o mote principal da série protagonizada pelo brilhante Hugh Bonneville.

Então, Classe Média é isso: nem aristocratas, nem vassalos. É um misto dos dois.

Só que a proporção da mistura está assustadoramente errada. A fórmula era para ser Educação Aristocrática + Humildade Vassalar, mas o que se vê hoje é uma desproporcional inversão dessas variáveis.

A Classe Média hoje é composta de pessoas com o dinheiro da aristocracia e a educação do vassalo. Trocando em miúdos: analfabetos com dinheiro.

Muito dinheiro.

A arrogância é tanta que hoje existem três Classes Médias: a Baixa, a Média e a Alta. O sistema foi inventado pela Classe Média Alta para justificar sua própria existência e se distanciar da Classe Média Baixa, ao mesmo tempo em que usa a própria como barreira para se distanciar da Classe Baixa e como escada para se aproximar da Classe Alta.

Só que, assim como aconteceu no início do Século XX, hoje a Classe Média Média está se expandindo e ocupando lugares antes considerados “de foro íntimo” da Classe Média Alta.

Isso é assustador. Isso é perigoso. Isso pode representar até mesmo a extinção da Classe Média Alta. E o que é pior: isso pode transformar a Sociedade como um todo num sistema mais justo e igualitário! Imagina! Não haver distinção de classes! Será o fim-do-mundo!

É aí que surge a hipocrisia que tanto me choca.

Os membros das Classe Média-Média e Média-Alta estão entre as pessoas mais mal-educadas de que tenho notícia. Não cedem lugar para quem precisa, não cedem a vez para melhorar o trânsito, furam fila na maior cara-de-pau, estacionam em vaga para deficientes-físicos, gritam "sou rhycka" para não ser multados, bancam o filhinho-de-papai-influente para se livrar da cadeia, não são capazes de participar de debates de nenhuma espécie, usam carros cada vez mais gigantes e acusam o governo de não alargar as ruas para cabê-los e demonstram com o nariz lááá em cima ser superiores em tudo (inclusive em visão sócio-política). Para defender seu território, a Classe Média Alta se utiliza de todos os expedientes que tem à mão. O principal deles é transformar pessoas que buscam a igualdade social em monstros a ser combatidos. E sabem o que é mais genial? Esses monstros, uma vez criados, serão combatidos justamente por aqueles que buscam defender, ou seja, a Classe Baixa! Não é incrível? Os Vassalos é que matarão o aristocrata igualitário que está fazendo com que eles, vassalos, ganhem espaço! E assim, para dar um verniz de “justiça-social” em seu movimento, chama-o de PATRIOTISMO!! É o máximo, é para gozar de felicidade até o ano 2020!!

Porque no fundo, no fundo, o que a Classe Média Alta deseja mesmo é que o Porteiro-Zeferino pare de se encontrar com a Patroa-Danuza pelas esquinas de Paris.


O QUE ME CHOCA 03 - 29 DE JANEIRO DE 2016

JOCELYN WILDENSTEIN É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente quando ela sorri.

Basta procurar na Internet: “Antes + Depois + Jocelyn Wildenstein”.

É muito duro ver essas imagens e acreditar que ela está daquele jeito porque quer. Mais um pouco e ela é contratada para eventos de tatuadores, como aquele cara que se transformou num felino.

Vendo as fotos dela quando mais jovem, a gente para e pensa: o que passou pela cabeça desta mulher por fazer tanta intervenção cirúrgica no rosto? Botox & colágeno & silicone & esticamento & lifting & clareamento & maquiagem...

(Aí a gente vai lembrando de um sem-número de outros nomes:)

... & anorexia & hidrogel & silicone & dieta da alface & chapinha ...

Vixe!! Saúde é uma coisa, prezados senhores. Ideal de beleza é outro.

Está tudo lá, nas vitrines de banca de revista e nas passarelas: o ideal de beleza é ser branca, loura, alta e aparentar 20 anos até o fim da vida. Trocando em miúdos: por mais Gisele que a própria Gisele consiga ser, ela não vai chegar aos 80 com a mesma cara de 20 por uma simples razão: ela é de carne e osso, não uma estátua de mármore.

Sou a favor das intervenções cirúrgicas em alguns casos: aquelas bolsas sob ou sobre os olhos que, com a idade, vão deformando o rosto. Retirá-las é até mesmo uma questão de saúde, acho. Ou então em caso de cicatrizes & queimaduras. Se está no rosto e tem jeito, que se faça. O resto, não. O resto é obediência escrava às revistas, que não deveriam ser tão poderosas assim a ponto de ditar se podemos ou não ter auto-estima.


Algumas pessoas sabem envelhecer, pois sabem que o ideal de beleza não é algo que deva ser declarado, como se fosse uma desculpa, uma satisfação compulsória que se deva dar ao mundo todos os dias, o tempo todo. Para essas pessoas o ideal de beleza não passa pelo físico. Ideal de beleza não devia ser físico. Mas é. E cria monstros como Jocelyn Wildenstein.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O QUE ME CHOCA 02 - 28 DE JANEIRO DE 2016

SERTANEJO UNIVERSITÁRIO É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente se o cantor tem voz anasalada. É complicado escutar. E a explicação quando você questiona “isso não é sertanejo nem na China”? A resposta é para rir até 2020: “Isso não é sertanejo, é sertanejo universitário!”

É diferente, entende? Cantor sertanejo é aquele que canta o Sertão, suas belezas e dores. Para a terminologia moderna-e-contemporânea, foi classificado como Sertanejo-de-raiz. Já o Sertanejo-universitário é aquele que transforma o conjunto homem-mulher em um sistema binário que gera todo um gama de canções que no fundo, no fundo, querem dizer a mesma coisa: “mulher, se submeta a mim porque te comer é uma delícia”. E aquela mulherada que não entende o que é machismo e jamais entenderá o feminismo grita, arranca os cabelos e CANTA JUNTO!!

E tem o Forró-universitário, terceira e mais popular categoria do quadrinômio zabumba-triângulo-viola-sanfona! Sim, porque primeiro tem o Forró-de-raiz (aquele que anima as genuínas festas do interior nordestino, com letras que cantam o nordeste e a malícia ingênua do dançar agarradinho) e depois veio o Forró Pé-de-Serra (que já deixa o Nordeste pra lá e só quer saber do dançar agarradinho, cuja malícia não é mais tão ingênua assim...).

Agora, estou aqui pensando no termo “universitário”. Um dia eu fui um, mas será que entendo o que o termo significa? Fico me lembrando das festinhas das repúblicas de estudantes universitários que frequentei na década de 90, onde a bebida mais cara que rolava era a Catuaba Selvagem, os salgadinhos eram os chips genéricos que eram comprados no quilo (sabe aquelas lojas de biscoitos, em que os tais ficam em sacos transparentes enormes numa prateleira alta?), a música era vinil-e-vitrolinha e a libertinagem corria solta, todo mundo junto e misturado, tudo muito permissivo, com os evangélicos incomodados sendo despachados para dormir em outro lugar.

Então seria isso? Descompromisso total com qualquer coisa que cheire a qualidade? Música feita na base do tudo-pode-porque-tudo-se-encaixa-no-termo? Tudo muito permissivo (“Só não vale dançar homem-com-homem nem mulher-com-mulher...”) porque é assim que a gente gosta?

Vixe! Sei não. Em geral, uma coisa sempre evolui para outra quando a fórmula original dá sinais de desgaste. Tenho um pouco de medo do que pode acontecer depois que esses universitários passarem pela formatura...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O QUE ME CHOCA 01 - 27 DE JANEIRO 2016

Adoro a frase da “insana” Betina Botox: “Dizem que eu choco as pessoas, mas já pararam pra pensar no que ME choca? Homem de terno é uma coisa que me choca, principalmente se usar sapato caramelo e cinto coordenado.”

Andei pensando em um monte de temas que rendessem colunas diárias, mas nenhuma me deu aquela “chegada” tipo “é-isso!” tanto quanto o tema “o que me choca”.

Serão 365 colunas a partir de hoje, 27 de janeiro. Por que hoje? Porque só hoje me deu o clique.

Sem mais explicações, segue o primeiro choque:

OSSADA DE BEBÊ É UMA COISA QUE ME CHOCA

Principalmente se for bebê nascido dentro de convento, como no caso das 800 ossadas encontradas na Irlanda, país de catolicismo xiita na Europa.

Muitas religiões são radicalmente contra qualquer espécie de controle de natalidade. Não pode aborto, não pode camisinha, não pode planejamento familiar. Tem que deixar nascer, e pronto. “Se vira!” Se morreu, é problema exclusivamente dele.

Há muito o que dizer sobre o período durante o qual essas ossadas foram se acumulando. A Europa como um todo nunca foi um primor de higiene, e em lugares frios era pior ainda. Como se não bastasse (e muitas vezes por causa disso), era o tempo de epidemias como a Gripe Espanhola (que dizimou milhões), da fome causada pela Revolução Industrial (quem entende de História há de se lembrar que foi nesta época que apareceu a expressão “mais-valia”), das guerras, e a medicina ainda era tratada com letra minúscula mesmo. Em palavras bíblicas, eram os três primeiros cavaleiros abrindo caminho para o quarto, a Grande Senhora do Sono Eterno. Ou seja, crianças e velhos morriam como moscas.

Bem, onde então está o choque?

No hábito. Essas coisas viram hábitos, coisa comum, corriqueira. As grandes dificuldades pelas quais passamos, ou a torrente de informações semelhantes, ou o fato de vermos gente morta todos os dias, nos embrutece e dessensibiliza. Ver morte e tragédia e pessimismo todos os dias, o tempo todo, nos anestesia e, o que é pior, nos diverte. Notícias como esta, a das 800 ossadas, não são contextualizadas e podem, intencionalmente ou não, conduzir a erros de interpretação e atitudes extremadas, provocadas por estes erros. Círculo vicioso define.

Contudo, horror maior do que o fato de ter havido freiras que escondiam cadáveres de bebês em seu convento (e me contenho para não pensar coisa pior) são os comentários publicados logo abaixo da notícia. Reproduzo um deles aqui, ipsis litteris, ctrl+c/ctrl+v, para se ter uma noção do que estou falando:

“Estava na moda imitar as atrocidades nazi-facistas-bolcheviques-maoístas lá pela aquelas décadas quando cometeram esse crime monstruoso contra essas indefesas crianças. Não era condição suficiente estar submetido a um desses tiranos para cometer tais crimes em outras plagas. Bastava a simpatia a tais ideias e ambiente favorável e, eis, a besta fera dando sequência a tais horrores. (...) Conservadores ou Progressistas (Ex: Bolcheviques, Maoístas, Nazistas, Fascistas etc, etc, etc,) que atentem ou executem crimes contra a vida humana devem ser encarcerados e aplicados o Código de Direito Penal Internacional. O responsável máximo pela Instituição criminosa deve ser julgado e a Instituição extinta para o bem da humanidade e da defesa dos direitos humanos. Papa Francisco deve após apurar a veracidade dos fatos e responsabilidade criminal, dissolver e extinguir essa Instituição de viés Nazista, Bolchevique.”

Observações: a Irlanda nos finais do século XIX e princípios dos XX, católica até o osso, obedecia às leis da Monarquia, supremo exemplo de elitismo aplicado à governança. O Bolchevismo ocorreu em 1917 na Rússia e foi execrado em toda a Grã-Bretanha. O Nazi-Fascismo ascenderia ao poder na década de 20, e o Maoísmo só foi implantado na China na década de 50. O comentarista inclusive ignorou o fato de que o convento em questão não existia mais, e deu lugar a um condomínio, instituição feudal moderna símbolo do Capitalismo. O que dói, o que choca, é que possa existir pessoas que, pelo viés a interpretação atravessada somada a um incrível analfabetismo histórico e político, são capazes de coisas talvez muito piores do que o próprio fato noticiado, pagando de paladinos da moral e dos bons costumes...

Link para a reportagem: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2014/06/04/quase-800-esqueletos-de-bebes-encontrados-em-convento-da-irlanda.htm