Capítulo 03
A QUESTÃO FISCAL
Isto nos leva a
discutir a questão fiscal. No Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em
déficits elevados, e a tendência do endividamento do Estado, tornou-se o mais
importante obstáculo para a retomada do crescimento econômico. O desequilíbrio
fiscal significa ao mesmo tempo: aumento da inflação, juros muito altos,
incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e
retração do investimento privado. Tudo isto somado significa estagnação ou retração
econômica. Sem um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio
duradouro das contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento e a
crise deve se agravar ainda mais. Esta é uma questão prévia, sem cuja solução
ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar a economia será inútil.
Nenhuma visão ideológica pode mudar isto.
Parágrafo
condicionante: para o texto, é imperativo o PMDB chegar ao poder (“Ajuste de
caráter permanente”) porque ele é dotado da “solução mágica”. O termo “duradouro”
é apenas retórica, pois mesmo o pior estudante de Economia entende que
equilíbrio fiscal duradouro em um governo é utopia.
Nosso desajuste
fiscal chegou a um ponto crítico. Sua solução será muito dura para o conjunto
da população, terá que conter medidas de emergência, mas principalmente
reformas estruturais. É, portanto, uma tarefa da política, dos partidos, do
Congresso Nacional e da cidadania. Não será nunca obra de especialistas
financeiros, mas de políticos capazes de dar preferência às questões
permanentes e de longo prazo. É também uma tarefa quase heroica que vai exigir
o concurso de muitos atores, que precisarão, pelo tempo necessário, deixar de
lado divergências e interesses próprios, mesmo que tenham que retomá-los mais
adiante.
Mais
falácia. O PMDB não está interessado em implantar reformas estruturais. Ele
quer a manutenção do que vinha usufruindo até agora. E vem trabalhando para
isso. A expressão “conjunto da população”, quando se trata de nomear quem vai
arcar com o prejuízo, não quer dizer exatamente TODO MUNDO. Sabe aquela
expressão de George Orwell, “Todos são iguais mas alguns são MAIS IGUAIS que os
outros”? Pois é. Esses “mais iguais” não sofrerão nada, nem terão seus
privilégios arredados em nem um milímetro.
Nossa crise é
grave e tem muitas causas. Para superá-la será necessário um amplo esforço
legislativo, que remova distorções acumuladas e propicie as bases para um
funcionamento virtuoso do Estado. Isto significará enfrentar interesses
organizados e fortes, quase sempre bem representados na arena política. Nos
últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja
criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos
servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A
situação hoje poderia certamente estar menos crítica.
Para
aqueles poucos politicamente alfabetizados que observam, desde sempre, os
aumentos arbitrários e abusivos em salários de parlamentares e juízes, a
expressão “situação hoje poderia certamente estar menos crítica” é óbvia. O
governo acaba de vetar novamente o reajuste do Judiciário, o que aumentaria
para R$ 36 BI o gasto anual com esses salários. Sem falar nos “auxílio-tudo”
que o legislativo e judiciário já recebem e não abrem mão. Esses são os reais
“interesses organizados e fortes” de que o texto fala. Agora, dizer que o
governo cometeu excesso criando e ampliando programas significa dizer que, para
equilibrar as contas, serão cortados esses excessos, e não os salários e
benefícios do Legislativo e Judiciário...
No entanto, a
parte mais importante dos desequilíbrios é de natureza estrutural e está relacionada
à forma como funciona o Estado brasileiro. Ainda que mudássemos completamente o
modo de governar o dia a dia, com comedimento e responsabilidade, mesmo normas
constitucionais, sem o que a crise fiscal voltará sempre, e cada vez mais
intratável, até chegarmos finalmente a uma espécie de colapso.
Parágrafo
dispensável pois é uma extensão das falácias do anterior.
Qualquer ajuste de
longo prazo deveria, em princípio, evitar aumento de impostos, salvo em
situação de extrema emergência e com amplo consentimento social. A carga
tributária brasileira é muito alta e cresceu muito nos últimos 25 anos. Em
1985, data da redemocratização, os impostos representavam 24% do PIB. Neste
mesmo ano, nos Estados Unidos, a carga tributária era de 26%, um pouco acima da
nossa. Na Alemanha, era de 36% e na Inglaterra, 38%. Em 2013, nossa carga tinha
saltado para 36% do PIB, enquanto nos Estados Unidos ela baixara para 25%, na
Alemanha subira para apenas 37% e na Inglaterra, caiu para 33%. Ou seja, todos
os países relevantes e bem-sucedidos mantiveram ou mesmo baixaram os impostos
em relação à renda, enquanto o Brasil aumentou os impostos cobrados da
sociedade em 50%. A Coreia tem hoje uma carga de 24% e o México, 20%. Isto
mostra que chegamos claramente a um limite para a cobrança de impostos. Taxar
mais as famílias e as empresas, transferindo seus recursos para o Estado,
parece ser algo disfuncional e danoso para a capacidade de competição do nosso
setor produtivo.
Usar
uma expressão como “Amplo consentimento social” por um partido que jogou 54 milhões de votos no lixo é de um mau-caratismo de calibre grosso.
Comparar taxas de impostos entre países com histórias socio-economico-políticas
diferentes é ignorar um dos problemas reais do Brasil, que é a cobrança
desproporcional de impostos, sendo que os mais ricos pagam bem menos que os
mais pobres. Reduzir a sociedade brasileira de pessoas jurídicas à simples
palavra “empresas” é ignorar que as micro e pequenas empresas são as que mais geram
empregos no país, enquanto as empresas gigantes estão a cada dia automatizando
mais seus processos de produção e dispensando empregados.
No Relatório
Global de Competitividade 2015-2016, do Fórum Econômico Mundial, publicado
recentemente, o Brasil ficou em 75º lugar, entre 140 países, perdendo 18
posições em relação ao relatório anterior, de 2014, sendo ultrapassado pelos
emergentes – Rússia, África do Sul, Índia e México, o que mostra que algo muito
errado está acontecendo com o nosso país nestes últimos anos. Na decomposição
dos fatores que compõem o índice o nível dos impostos e a complexidade
tributária, combinados, respondem por 25% – o maior fator – dos problemas para
realizar negócios no país. As leis trabalhistas e a corrupção vêm muito abaixo,
com 14% e 12%, respectivamente.
Este
tipo de retórica faz parecer que o Brasil PRECISA que todas as empresas do
mundo venham investir aqui. Será que vai haver espaço para todas, se
escancararmos as vantagens tributárias e reduzirmos a necessidade de retorno
trabalhista? As grandes empresas já estão no país (algumas delas já sediadas) e
estão interessadíssimas em transferir para o exterior o máximo de ganho
possível, forçando (através de atos como o do pato gigante da FIESP) uma revisão
das conquistas trabalhistas dos últimos 60 anos. Ou seja, mínimo de
investimento e retorno para o país “anfitrião”, máximo de lucro a ser
transferido para fora.
As despesas
públicas primárias, ou não financeiras, têm crescido sistematicamente acima do
crescimento do PIB, a partir da Constituição de 1988. Em parte estes aumentos
se devem a novos encargos atribuídos ao Estado pela Constituição, muitos deles
positivos e virtuosos, na área da saúde, da educação e na assistência social.
Nestes casos, o aumento das despesas públicas foi uma escolha política correta
e que melhorou dispositivos que tornaram muito difícil a administração do
orçamento e isto contribuiu para a desastrosa situação em que hoje vivemos.
Foram criadas despesas obrigatórias que têm que ser feitas mesmo nas situações
de grande desequilíbrio entre receitas e despesas, e, ao mesmo tempo,
indexaram-se rendas e benefícios de vários segmentos, o que tornou impossíveis
ações de ajuste, quando necessários. Durante certo tempo houve espaço para a
expansão da carga tributária e evitaram-se grandes déficits. Como também houve
um certo crescimento econômico que permitiu aumento das receitas fiscais. O
crescimento automático das despesas não pode continuar entronizado na lei e na
Constituição, sem o que o desequilíbrio fiscal se tornará o modo padrão de
funcionamento do Estado brasileiro.
Reforma
tributária é necessária e precisa ser antecedida de um debate que envolva todos
os implicados no processo produtivo brasileiro. Este parágrafo insinua que
deverão ser revistas cláusulas da Constituição que, até onde sei, são pétreas.
Outra insinuação presente no parágrafo reforça a ideia de Estado Mínimo. Para
mim, no entanto, reduzir despesas governamentais (rubricas do Orçamento da
União) devem começar pelos salários e benefícios de todos os três poderes. A
economia seria astronômica.
A outra questão da
mesma ordem provém da previdência social. Diferentemente de quase todos os
demais países do mundo, nós tornamos norma constitucional a maioria das regras
de acesso e gozo dos benefícios previdenciários, tornando muito difícil a sua
adaptação às mudanças demográficas. Nós deixamos de fazer as reformas
necessárias decorrentes do envelhecimento da população nos anos 1990 e 2000, ao
contrário de muitos países, e hoje pagamos o preço de uma grave crise fiscal. O
resultado é um desequilíbrio crônico e crescente. Em 2015 a diferença ou
déficit entre as receitas e as despesas no regime geral do INSS está em 82 bilhões
de reais. No orçamento para o ano que vem esta diferença salta para 125
bilhões. As projeções para o futuro são cada vez piores.
Concordo
com quase tudo o que se diz neste parágrafo. Entretanto, as regras novas teriam
de valer para quem ganha acima de 15 salários mínimos de aposentadoria – será
que é de conhecimento geral que um Deputado tem direito a aposentadoria
integral após cumprir DOIS mandatos? Temos aí uma quantidade de ex-deputados
aposentados antes mesmo dos 50 anos, que receberão seus salários nababescos integralmente
pelo resto da vida após ter trabalhado apenas OITO ANOS?
A conclusão
inevitável a que se chega é que os principais ingredientes da crise fiscal são
estruturais e de longo prazo. De um lado, a falta de espaço para aumento das
receitas públicas através da elevação da carga tributária, de outro, a rigidez
institucional que torna o orçamento público uma fonte permanente de
desequilíbrio.
“Elevação da carga tributária”? “Rigidez
institucional”? “Fonte permanente de desequilíbrio”? A solução então, para os
correligionários do PMDB, será afrouxar as regras do Orçamento (cuja lei
precisa ser promulgada ano a ano) e tacar imposto em cima de quem já paga muito
(os pobres, claro: ricos terão isenção e incentivo a torto e a direito) é uma
das fórmulas do Milagre?
A solução destas
questões não é apenas de natureza técnica: depende de decisão política. Na
ausência de uma ação forte e articulada, que conduza a um conjunto de reformas
nas leis e na constituição, a crise fiscal não será resolvida e, ao contrário,
tende a tornar-se cada vez mais grave. Na constância da crise fiscal a economia
vai manter-se estagnada ou com taxas muito baixas de crescimento. No século
passado dobramos a renda per capita a cada geração; se persistirmos no ritmo dos
últimos 16 anos, vamos precisar de 60 anos para dobrá-la novamente e chegar,
aos preços de hoje, a algo entre 15 ou 17 mil dólares, um número medíocre mesmo
para 2015.
“Reformas nas leis e na constituição”?Constituição de
quê, com letra minúscula?
A sociedade brasileira ainda está muito distante do padrão de
vida das famílias nas economias desenvolvidas. Ao contrário, a maioria absoluta
da população ainda sofre de baixo poder de compra e de consumo e mesmo suas
necessidades humanas básicas ainda não estão atendidas. Crescer a economia não
é uma escolha que podemos fazer, ou não. É um imperativo de justiça, um direito
que a população tem diante do Estado.
Este parágrafo é o primeiro sinal de que o mais
importante para o PMDB é ter consumidores, e não cidadãos. É o primeiro sinal
da existência real do verdadeiro mandatário deste país: o Grande Empresário.
Não interessa a saúde ou a educação da população: há a indústria farmacêutica e
a TV que provem o remédio e o entretenimento que maquiam, substituem as demandas
originais.
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