ANIMA DECOLORUM EST

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segunda-feira, 23 de maio de 2016

O QUE ME CHOCA 17/05

Capítulo 05

PREVIDÊNCIA E DEMOGRAFIA
Os problemas fiscais acarretados pela previdência social não são um privilégio brasileiro. Eles estão presentes em todos os países que optaram por assegurar uma previdência de caráter universal aos seus cidadãos, sob responsabilidade do Estado. Estão excluídos deste rol apenas os países asiáticos, onde o seguro contra o envelhecimento e a morte são primordialmente uma responsabilidade das famílias.
Até onde sei, a Previdência Social é um programa pelo qual você paga a vida inteira para obter de volta (não integralmente) quando não puder mais trabalhar. Tenho certeza de que aqui está sendo apresentada apenas a face que prejudica o governo. Será que as novas regras flexibilizarão também a necessidade de se pagar todo mês uma quantia para a Previdência?
As causas destes problemas são simples: as pessoas estão vivendo mais e as taxas de novos entrantes na população ativa são cada vez menores. A solução parece simples, do ponto de vista puramente técnico: é preciso ampliar a idade mínima para a aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. Não é uma escolha, mas um ditame da evolução demográfica e do limite de impostos que a sociedade concorda em pagar.
Posso estar sendo ingênuo, naïve, coisas desse tipo, mas tenho certeza de que este seria um problema real se a população economicamente ativa no Brasil não estivesse crescendo nesta mesma proporção. Além disso, é sabido que a população de aposentados ainda com saúde física são um mercado consumidor de alto nível, pois com mais tempo livre há o consumo de bens e serviços que os que trabalham o dia inteiro e tem 30 dias de férias (coisas que este programa quer flexibilizar...) não podem usufruir.
Há poucas décadas a baixa expectativa de vida permitia a aposentadoria aos 50 ou 55 anos. Felizmente, vivemos mais, porém as regras devem se adaptar aos novos tempos. A maioria dos países desenvolvidos promoveram reformas nas regras de aposentadoria nas duas últimas décadas, mesmo com as naturais resistências políticas. As idades mínimas passaram de 60 anos para 65 e até 67. E, no futuro, vão aumentar novamente porque os jovens de hoje vão viver ainda mais.
Apenas um comentário sobre este parágrafo torpe e distorcido: o governo Francês tentou, em 2013, flexibilizar essas regras de aposentadoria, aumentando a idade mínima para aposentar. Consequência, o país pegou fogo e quase – graças a Deus – a ultra-direita francesa (Le Pen) chegou ao poder.
No Brasil, estranhamente não há idade mínima para a aposentadoria, no regime geral do INSS, apenas no regime próprio dos funcionários públicos. Uma tentativa de estabelecer um limite não foi aprovada na reforma tentada pelo governo Fernando Henrique. Para limitar o estrago foi criado o Fator Previdenciário, agora sob diferentes ataques.
Até onde sei, a idade mínima está, sim, fixada em 65 anos para homens e 60 para mulheres. Mas há, também, o tempo de contribuição. Se você trabalhou (e “contribuiu” com a previdência) por 35 anos, já pode ter o direito de descansar, né? Se você é daqueles que precisaram começar a trabalhar cedo (como eu, aos 13) para ajudar a família num tempo em que não existia proibição ao trabalho infantil, 35 anos é o suficiente, não? Mesmo assim, ao aposentar aos 48 anos com uma merreca de salário (porque o vencimento não é integral – somente aposentados dos três poderes tem esse privilégio, ou aqueles que puderam pagar a mais para que o vencimento fosse pelo menos o salário mínimo) você ainda vai precisar de muita saúde para continuar trabalhando para complementar sua renda. Enquanto isso, juízes, deputados, senadores aposentam com seus vencimentos integrais, vitalícios, tendo trabalhado 1/10 do tempo que a população em geral precisa para ter os mesmos direitos, e o pior: trabalham 3 dias por semana, tem férias (recessos parlamentares) de 3 meses (os meses de dezembro e janeiro e o mês de julho) e recebem 2 salários a mais por ano. Só que são eles quem detem o poder de decidir o que fazer com o orçamento anual da previdência, ou seja: no deles não será movida uma vírgula.
A verdade é que o sistema não suporta mais as regras em vigor. O financiamento do sistema já é oneroso para o setor privado – 20% do valor total da folha para os empregadores e 8% para os empregados. Mas o resultado é deficitário. Em 2015 a diferença será da ordem de 83 bilhões de reais e para 2016 está previsto um déficit de 125 bilhões, que é o valor que se estimava que ocorreria por volta de 2030. Chegou 15 anos antes e promete simplesmente explodir nos próximos anos.
E enquanto os vencimentos dos três poderes continuar em elevação anual, o “sistema” continuará não suportando, o “déficit” continuará existindo. A “diferença” estará na capacidade mágica do PMDB em maquiar números de relatórios.
O Brasil gasta 12% do PIB com os seus regimes de previdência, mais do que o dobro do que gastam os Estados Unidos, o Japão e a China, e quase a mesma coisa que países com populações muito mais velhas do que a nossa, como Alemanha e França. A situação é insustentável, pois o país tem jovens para atender, tem problemas de assistência de saúde, de educação, de segurança.
Aqui vai se concretizando a ameaça: para equilibrar as contas públicas, a Previdência vai mesmo ser mexida. Nem os militares tiveram essa coragem, a de intervir numa conquista pública que remonta ao governo Getulio Vargas. É aqui que se nota a entrelinha de que a população mais pobre, a que vinha lentamente angariando várias conquistas sociais será a primeira a ser descartada, ignorada, desconsiderada. Até aqui não se falou em cortes de salários e benefícios das altas esferas governamentais (executivo, legislativo, judiciário) que dão rombos anuais de R$100 BI nos cofres públicos.
Enfrentar os desafios da reforma da previdência permitirá uma trajetória sustentável das contas públicas, para benefício de todos. Caso esses desafios não sejam superados, porém, a trajetória explosiva no futuro resultará no agravamento da crise atual e problemas ainda maiores nos próximos anos.
“Para benefício de todos” é jargão político da velha safra. Todo político conservador (e o PMDB o é até a medula) utiliza esse jargão genérico para defender a implantação de alguma política que, a longo prazo, se mostra excludente, facilitadora de expedientes corruptos e muito, muito retrógrada. Para ser verdade, seria necessário acrescentar a expressão “os que possuem privilégios” ao final da frase. O restante do parágrafo é apenas a reafirmação da ameaça do parágrafo anterior.
Preservando os direitos adquiridos e tratando com respeito as expectativas de quem ainda está no mercado de trabalho e já se aproxima do acesso ao benefício, é preciso introduzir, mesmo que progressivamente, uma idade mínima que não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova escalada futura dependendo dos dados demográficos.
Até onde sei, a prática já é esta, a de limitar pelo mínimo de 65/60 anos a aposentadoria, exceto para quem solicita o benefício antes do prazo mínimo de 35/30 anos de contribuição, com recebimentos proporcionalmente inferiores. Em minha opinião, mexer na Previdência da maioria da população é, além de um cínico caminho para a “abertura de mercado” para as previdências privadas (o que pode injetar dinheiro no mercado financeiro da ordem de nove dígitos), é suicídio político, o que prova que o PMDB não está minimamente interessado na opinião pública, pois, como todo conservador, acha que o poder e sua manutenção continua com o perfil e o mecanismo idêntico ao que sempre foi.
Além disso, é indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário mínimo. O salário mínimo não é um indexador de rendas, mas um instrumento próprio do mercado de trabalho. Os benefícios previdenciários dependem das finanças públicas e não devem ter ganhos reais atrelados ao crescimento do PIB, apenas a proteção do seu poder de compra. É dever do governo e da sociedade manter baixa a inflação porque, não apenas servidores públicos e beneficiários da previdência e da assistência social merecem a preservação do seu poder aquisitivo, mas todos os brasileiros em geral. Se para manter o poder de compra dos que recebem rendas do Estado deixamos a inflação fora de controle ou muito alta, estaremos penalizando a grande maioria da população, que não tem a seu favor mecanismos automáticos de indexação.
A expressão “mecanismos automáticos de indexação” foi retirada ipsis litteris daquela famosa tabelinha de construção de expressões para políticos. Em suma, tradução do parágrafo inteiro: “Nós vamos retirar dos que ganham de 01 a 03 salários mínimos todo e qualquer benefício que precise ter sua rubrica planejada no Orçamento. O equilíbrio das contas públicas será da responsabilidade exclusiva da população trabalhadora”. Preocupar-se com inflação é falácia. O PMDB nunca se importou com isso.
Se resolvermos as questões de curto e médio prazos, com a nova regulação do orçamento, mas deixarmos de fazer estas mudanças na previdência, o custo do desequilíbrio futuro será cobrado no presente e muitos efeitos benéficos de nosso esforço deixarão de ocorrer.
Entrelinhas: “vamos embolar a cabeça de quem está lendo para podermos negar o que dissemos, se esse plano só provocar mais desequilíbrio, e jogar a culpa em outrem”.
Afinal, precisamos de uma trajetória virtuosa em que os novos horizontes das contas fiscais produzam efeitos cumulativos e retro alimentadores nos juros, nos preços e no endividamento, tudo desembocando na volta do crescimento econômico.

Ou seja: “precisamos nos manter no poder para podermos continuar a fazer o que sempre fizemos – exigir da população que cumpra seus deveres para que nós continuemos a ter direitos”.

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