Capítulo 05
PREVIDÊNCIA E DEMOGRAFIA
Os problemas
fiscais acarretados pela previdência social não são um privilégio brasileiro.
Eles estão presentes em todos os países que optaram por assegurar uma
previdência de caráter universal aos seus cidadãos, sob responsabilidade do
Estado. Estão excluídos deste rol apenas os países asiáticos, onde o seguro
contra o envelhecimento e a morte são primordialmente uma responsabilidade das
famílias.
Até
onde sei, a Previdência Social é um programa pelo qual você paga a vida inteira
para obter de volta (não integralmente) quando não puder mais trabalhar. Tenho
certeza de que aqui está sendo apresentada apenas a face que prejudica o
governo. Será que as novas regras flexibilizarão também a necessidade de se
pagar todo mês uma quantia para a Previdência?
As causas destes
problemas são simples: as pessoas estão vivendo mais e as taxas de novos
entrantes na população ativa são cada vez menores. A solução parece simples, do
ponto de vista puramente técnico: é preciso ampliar a idade mínima para a
aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas
trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. Não é uma escolha, mas
um ditame da evolução demográfica e do limite de impostos que a sociedade
concorda em pagar.
Posso
estar sendo ingênuo, naïve, coisas
desse tipo, mas tenho certeza de que este seria um problema real se a população
economicamente ativa no Brasil não estivesse crescendo nesta mesma proporção.
Além disso, é sabido que a população de aposentados ainda com saúde física são
um mercado consumidor de alto nível, pois com mais tempo livre há o consumo de
bens e serviços que os que trabalham o dia inteiro e tem 30 dias de férias
(coisas que este programa quer flexibilizar...) não podem usufruir.
Há poucas décadas
a baixa expectativa de vida permitia a aposentadoria aos 50 ou 55 anos.
Felizmente, vivemos mais, porém as regras devem se adaptar aos novos tempos. A
maioria dos países desenvolvidos promoveram reformas nas regras de
aposentadoria nas duas últimas décadas, mesmo com as naturais resistências
políticas. As idades mínimas passaram de 60 anos para 65 e até 67. E, no
futuro, vão aumentar novamente porque os jovens de hoje vão viver ainda mais.
Apenas
um comentário sobre este parágrafo torpe e distorcido: o governo Francês
tentou, em 2013, flexibilizar essas regras de aposentadoria, aumentando a idade
mínima para aposentar. Consequência, o país pegou fogo e quase – graças a Deus
– a ultra-direita francesa (Le Pen) chegou ao poder.
No Brasil,
estranhamente não há idade mínima para a aposentadoria, no regime geral do
INSS, apenas no regime próprio dos funcionários públicos. Uma tentativa de
estabelecer um limite não foi aprovada na reforma tentada pelo governo Fernando
Henrique. Para limitar o estrago foi criado o Fator Previdenciário, agora sob
diferentes ataques.
Até
onde sei, a idade mínima está, sim, fixada em 65 anos para homens e 60 para
mulheres. Mas há, também, o tempo de contribuição. Se você trabalhou (e
“contribuiu” com a previdência) por 35 anos, já pode ter o direito de descansar,
né? Se você é daqueles que precisaram começar a trabalhar cedo (como eu, aos
13) para ajudar a família num tempo em que não existia proibição ao trabalho
infantil, 35 anos é o suficiente, não? Mesmo assim, ao aposentar aos 48 anos
com uma merreca de salário (porque o vencimento não é integral – somente aposentados
dos três poderes tem esse privilégio, ou aqueles que puderam pagar a mais para
que o vencimento fosse pelo menos o salário mínimo) você ainda vai precisar de
muita saúde para continuar trabalhando para complementar sua renda. Enquanto
isso, juízes, deputados, senadores aposentam com seus vencimentos integrais,
vitalícios, tendo trabalhado 1/10 do tempo que a população em geral precisa
para ter os mesmos direitos, e o pior: trabalham 3 dias por semana, tem férias (recessos
parlamentares) de 3 meses (os meses de dezembro e janeiro e o mês de julho) e
recebem 2 salários a mais por ano. Só que são eles quem detem o poder de
decidir o que fazer com o orçamento anual da previdência, ou seja: no deles não
será movida uma vírgula.
A verdade é que o
sistema não suporta mais as regras em vigor. O financiamento do sistema já é
oneroso para o setor privado – 20% do valor total da folha para os empregadores
e 8% para os empregados. Mas o resultado é deficitário. Em 2015 a diferença
será da ordem de 83 bilhões de reais e para 2016 está previsto um déficit de
125 bilhões, que é o valor que se estimava que ocorreria por volta de 2030.
Chegou 15 anos antes e promete simplesmente explodir nos próximos anos.
E
enquanto os vencimentos dos três poderes continuar em elevação anual, o
“sistema” continuará não suportando, o “déficit” continuará existindo. A
“diferença” estará na capacidade mágica do PMDB em maquiar números de
relatórios.
O Brasil gasta 12%
do PIB com os seus regimes de previdência, mais do que o dobro do que gastam os
Estados Unidos, o Japão e a China, e quase a mesma coisa que países com populações
muito mais velhas do que a nossa, como Alemanha e França. A situação é
insustentável, pois o país tem jovens para atender, tem problemas de
assistência de saúde, de educação, de segurança.
Aqui
vai se concretizando a ameaça: para equilibrar as contas públicas, a
Previdência vai mesmo ser mexida. Nem os militares tiveram essa coragem, a de
intervir numa conquista pública que remonta ao governo Getulio Vargas. É aqui
que se nota a entrelinha de que a população mais pobre, a que vinha lentamente angariando
várias conquistas sociais será a primeira a ser descartada, ignorada,
desconsiderada. Até aqui não se falou em cortes de salários e benefícios das
altas esferas governamentais (executivo, legislativo, judiciário) que dão
rombos anuais de R$100 BI nos cofres públicos.
Enfrentar os
desafios da reforma da previdência permitirá uma trajetória sustentável das contas
públicas, para benefício de todos. Caso esses desafios não sejam superados,
porém, a trajetória explosiva no futuro resultará no agravamento da crise atual
e problemas ainda maiores nos próximos anos.
“Para
benefício de todos” é jargão político da velha safra. Todo político conservador
(e o PMDB o é até a medula) utiliza esse jargão genérico para defender a
implantação de alguma política que, a longo prazo, se mostra excludente,
facilitadora de expedientes corruptos e muito, muito retrógrada. Para ser
verdade, seria necessário acrescentar a expressão “os que possuem privilégios”
ao final da frase. O restante do parágrafo é apenas a reafirmação da ameaça do
parágrafo anterior.
Preservando os
direitos adquiridos e tratando com respeito as expectativas de quem ainda está
no mercado de trabalho e já se aproxima do acesso ao benefício, é preciso
introduzir, mesmo que progressivamente, uma idade mínima que não seja inferior
a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova
escalada futura dependendo dos dados demográficos.
Até
onde sei, a prática já é esta, a de limitar pelo mínimo de 65/60 anos a
aposentadoria, exceto para quem solicita o benefício antes do prazo mínimo de
35/30 anos de contribuição, com recebimentos proporcionalmente inferiores. Em
minha opinião, mexer na Previdência da maioria da população é, além de um
cínico caminho para a “abertura de mercado” para as previdências privadas (o
que pode injetar dinheiro no mercado financeiro da ordem de nove dígitos), é
suicídio político, o que prova que o PMDB não está minimamente interessado na
opinião pública, pois, como todo conservador, acha que o poder e sua manutenção
continua com o perfil e o mecanismo idêntico ao que sempre foi.
Além disso, é
indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário
mínimo. O salário mínimo não é um indexador de rendas, mas um instrumento
próprio do mercado de trabalho. Os benefícios previdenciários dependem das
finanças públicas e não devem ter ganhos reais atrelados ao crescimento do PIB,
apenas a proteção do seu poder de compra. É dever do governo e da sociedade
manter baixa a inflação porque, não apenas servidores públicos e beneficiários
da previdência e da assistência social merecem a preservação do seu poder
aquisitivo, mas todos os brasileiros em geral. Se para manter o poder de compra
dos que recebem rendas do Estado deixamos a inflação fora de controle ou muito
alta, estaremos penalizando a grande maioria da população, que não tem a seu
favor mecanismos automáticos de indexação.
A
expressão “mecanismos automáticos de indexação” foi retirada ipsis litteris daquela famosa tabelinha
de construção de expressões para políticos. Em suma, tradução do parágrafo
inteiro: “Nós vamos retirar dos que ganham de 01 a 03 salários mínimos todo e
qualquer benefício que precise ter sua rubrica planejada no Orçamento. O
equilíbrio das contas públicas será da responsabilidade exclusiva da população
trabalhadora”. Preocupar-se com inflação é falácia. O PMDB nunca se importou
com isso.
Se resolvermos as
questões de curto e médio prazos, com a nova regulação do orçamento, mas
deixarmos de fazer estas mudanças na previdência, o custo do desequilíbrio
futuro será cobrado no presente e muitos efeitos benéficos de nosso esforço
deixarão de ocorrer.
Entrelinhas: “vamos embolar a
cabeça de quem está lendo para podermos negar o que dissemos, se esse plano só
provocar mais desequilíbrio, e jogar a culpa em outrem”.
Afinal, precisamos
de uma trajetória virtuosa em que os novos horizontes das contas fiscais
produzam efeitos cumulativos e retro alimentadores nos juros, nos preços e no
endividamento, tudo desembocando na volta do crescimento econômico.
Ou
seja: “precisamos nos manter no poder para podermos continuar a fazer o que
sempre fizemos – exigir da população que cumpra seus deveres para que nós
continuemos a ter direitos”.
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